terça-feira, 12 de janeiro de 2016

O Bom Dinossauro

Fiel à cartilha Disney, longa se garante no visual inspirado e inegavelmente particular

Apesar dos problemas em torno da sua produção, com direito a troca de diretores, paralisação das filmagens e o atraso no lançamento, O Bom Dinossauro é inegavelmente uma película com o padrão Pixar de qualidade. Sob a batuta do criativo Peter Sohn, a aventura jurássica recorre a popular cartilha Disney ao narrar a amizade entre um pacífico dinossauro e um indomável jovem neandertal. Por mais que narrativamente o longa não seja tão impactante quanto o estupendo Divertida Mente, ficando uns (muitos) degraus abaixo ao requentar algumas velhas fórmulas em prol da sua edificante lição de moral familiar, visualmente o resultado é bem superior, incrementando a correta premissa com soluções criativas e absolutamente expressivas. Na verdade, ao misturar os traços hiper-realísticos das incríveis paisagens com a aparência cartunesca dos protagonistas, Sohn eleva consideravelmente o nível desta animação e nos brinda com uma obra lúdica e esteticamente autoral.




Fiel à estrutura narrativa de clássicos como Bambi e O Rei Leão, O Bom Dinossauro ganha corpo a partir de uma premissa realmente interessante. Adotando com habilidade o tom fabulesco, a animação abraça uma curiosa hipótese ao imaginar o que teria acontecido  se o meteoro que devastou as criaturas jurássicas tivesse passado raspando pelo planeta Terra. Através de um cenário absolutamente criativo, conhecemos então o jovem Arlo, o desajeitado caçula de uma família de dinossauros pescoçudos. Vivendo numa fazenda ao lado dos pais e irmãos, a "pequena" e medrosa criatura jurássica não mostrava qualquer aptidão para a vida do campo, contribuindo bem pouco no trabalho braçal. Tudo muda, no entanto, quando numa sucessão de episódios ele é afastado bruscamente de sua família. Perdido na selva, Arlo conhece o pequeno Spot, um neandertal que acidentalmente se torna o pivô dos problemas do dinossauro. Imaturo e assustado, o branquiossauro reluta a aceitar a aproximação deste jovem humano. Aos poucos, no entanto, os dois descobrem que são mais parecidos do que esperavam, iniciando uma sincera e confortadora amizade.


Requentando algumas velhas fórmulas do gênero, o roteiro assinado por Bob Peterson, Peter Sohn, Erik Benson, Meg LeFauve e Kelsey Mann passeia por um terreno extremamente seguro ao narrar a fábula moral do simpático Arlo. Diferente do fenômeno Divertida Mente, reconhecidamente uma obra mais madura e complexa, O Bom Dinossauro procura nitidamente o diálogo com o público infantil, se rendendo à soluções fáceis e a boa e velha cartilha emocional da Disney. A começar pelo acelerado primeiro ato, quando o argumento mostra afobação ao preparar o terreno para a esperada volta por cima do desajeitado herbívoro. Ainda que a rotina familiar dos branquiossauros ganhe contornos criativos nas mãos de Sohn, o longa deixa a sutileza de lado ao passear por situações naturalmente espinhosas, abordando com brevidade temas como a relação entre pai e filho e os inúmeros medos do protagonista. Além disso, por mais que os perigos da natureza já se mostrem suficientemente assustadores para o jovem dinossauro, os roteiristas decidem apostar em genéricos antagonistas. Na verdade, um grupo de jurássicos voadores que, apesar de trazerem consigo uma curiosa critica ao fanatismo religioso, só não se tornam completamente dispensáveis graças a sua presença no envolvente clímax.


A partir do segundo ato, no entanto, o argumento é bem melhor resolvido ao introduzir a sincera amizade entre Arlo e Spot. Em meio a uma série de soluções visuais marcantes, a sequência em que dinossauro e neandertal "falam" sobre o destino das suas respectivas famílias é de uma sensibilidade impar, a relação dos dois comove e diverte com absoluta naturalidade, evidenciando a expressividade destes dois cativantes personagens. Até porque, como os diálogos entre os dois são escassos, já que o pequeno Spot não fala, coube a Sohn e equipe de animadores a missão de tornar a comunicação entre eles acessível principalmente para os mais jovens. O resultado, sem dúvida alguma, se revela um dos pontos altos da película, principalmente pela forma como o realizador valoriza o silêncio em torno da humana e emotiva jornada de amadurecimento do atrapalhado dinossauro. De maneira altamente curiosa, inclusive, o argumento é criativo ao propor uma inspirada inversão de papéis. Enquanto as criaturas mais realísticas, como as aves, os répteis e os próprios neandertais têm uma postura condizente às suas espécies, os dinossauros são completamente civilizados, vivendo em sociedade tal qual nós humanos.


Tirando um enorme proveito desta "inversão", Peter Sohn supera as expectativas ao nos brindar com um traço estético inegavelmente particular. Numa mistura brilhante, o realizador contrasta a verossimilhança do cenário hiper-realista, marcado por enormes florestas e grandes rios, com a aparência cartunesca dos seres jurássicos, elevando o nível do argumento com sequências singelas, harmoniosas e de rara beleza. Num trabalho elaborado, o que fica nítido ao longo de toda a projeção, Sohn utilizou paisagens reais como molde para a animação, alcançando um nível de realismo capaz de encantar até o espectador mais experiente. Com destaque para a iluminada cena dos vagalumes, que funciona ainda melhor no longa, e para os impressionantes takes submersos, explorados com perícia pelo discreto 3-D. Em meio a cenas tão críveis, o realizador é igualmente habilidoso ao explorar o humor visual, arrancando honestas e universais risadas seja com as desastradas atitudes de Arlo, seja com a postura arredia de Spot. Na melhor delas, o diretor ousa ao criar uma hilária viagem letárgica após os dois amigos comerem um frutinha de "procedência duvidosa". Como se não bastasse isso, as sequências de ação são espertas e completamente fluídas. Mesmo respeitando as noções de escala e a mobilidade dos dinossauros, Sohn valoriza como poucos a agilidade dos seus protagonistas, colocando os seres pré-históricos para correr, saltar e lutar com total desenvoltura.


Recheado de soluções criativas, a homenagem ao clássico Tubarão no clímax é digna de aplausos, O Bom Dinossauro cumpre a sua missão ao deixar uma comovente mensagem de amadurecimento e autodescoberta. Ainda que careça de personagens coadjuvantes interessantes, a exceção fica para o divertido trio de Tiranossauros, Peter Sohn contorna a aparência requentada do argumento com uma animação esteticamente inventiva e surpreendentemente contida. Arrematando com extrema sutileza a jornada dos carismáticos Arlo e Spot, esta inocente fábula coloca lado a lado as velhas fórmulas da Disney com o pioneirismo visual da Pixar, num trabalho que definitivamente não faz feio diante do seu celebrado antecessor. E isso, por si só, já é um baita elogio para esta divertida aventura jurássica.

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