quinta-feira, 18 de junho de 2015

Sob o Mesmo Céu

Uma adorável bagunça


Recebido de maneira negativa por parte da crítica norte-americana, Sob o Mesmo Céu cativa pela forma pouco ortodoxa com que constrói uma leve e inofensiva história de amor. Dirigido pelo competente Cameron Crowe, o mesmo do espetacular Quase Famosos (2000), o longa foge do lugar comum ao flertar com elementos pouco usuais dentro do gênero, promovendo uma adorável bagunça ao construir uma espécie improvável de triângulo amoroso utilizando como pano de fundo uma missão militar no Havaí. Se apropriando da mitologia local para discutir de maneira perspicaz as questões morais por trás dos personagens, este açucarado romance até se esforça para abraçar todos os temas que se propõe a levantar, mas acaba esbarrando na superficialidade com que essa excêntrica premissa ganha corpo. Ainda assim, embalado pelo carisma do trio Bradley Cooper, Emma Stone e Rachel McAdams, e pela encantadora aura havaiana, Crowe consegue trazer certo charme ao longa, principalmente quando deixa os pretensiosos diálogos de lado e passa a se concentrar na expressividade dos seus protagonistas. 

Com roteiro assinado pelo próprio diretor, Sob o Mesmo Céu entra para a lista recente dos "feel good movies" idealizados por Cameron Crowe. Seguindo o caminho aberto por títulos como o envolvente Tudo Acontece em Elizabethtown (2005) e o edificante Compramos um Zoológico (2011), o curioso novo trabalho deste realizador se mostra disposto à alimentar a atmosfera romântica, sem esquecer o humor, conseguindo um resultado que se não é empolgante, ao menos se mantém interessante ao longo dos lineares 110 minutos de projeção. Utilizando o céu como um elo entre os personagens, o longa narra a história de Brian Gilcrest (Coopley), um ex-militar de caráter dúbio que volta ao Havaí - sua terra natal - para negociar a construção de uma plataforma de foguetes. Agora trabalhando para o extravagante milionário Carson Welch (Bill Murray), ele terá que convencer os habitantes locais a liberar o espaço para tal construção. Contando com o apoio da proativa e determinada Capitã Ng (Stone), Brian se vê em apuros ao reencontrar a sua ex-namorada Tracy (McAdams), uma bela mulher que acabou sofrendo ao ser abandonada por ele. Disposto a aparar as arestas do passado com ela, que após essa desilusão construiu uma vida ao lado do soldado Woody (John Krasinski), Brian passa a se encantar por Ng, encontrando na pureza e inocência dela o estopim para questionar não só a sua própria missão, mas também o rumo que dará a sua vida.


Flertando ora com temas exóticos, ora com situações mais densas, o roteiro demonstra certo desequilíbrio ao passear de forma acelerada pelas muitas subtramas, que são utilizadas ao bel prazer do realizador. Ainda que o longa em nenhum momento se torne arrastado, a verdade é que alguns dos arcos criados por Crowe ganham contornos simplórios, numa ingenuidade irreal perante a seriedade de parte dos acontecimentos. Com destaque - negativo - para o pano de fundo militar, que mesmo trazendo uma aura particular à trama, padece diante de soluções frágeis e previsíveis. Além disso, apesar da excelente química entre Cooper e Stone, o relacionamento Ng e Brian é concebido de maneira forçada. Recorrendo a dispensáveis clichês, o argumento desenvolve este caso de amor através de diálogos rasos e pretensiosamente desconexos, explorando apressadamente tanto a incompatibilidade de "gênios", quanto a repentina troca de olhares românticos do casal. A partir do segundo ato, no entanto, a dinâmica entre os personagens vai se tornando mais aceitável, muito em função de algumas perceptíveis mudanças textuais. Se distanciando da verborragia inicial, Crowe passa a adotar inspiradas e quase experimentais soluções narrativas, deixando a expressividade física dos atores falarem por si só. Na verdade, em vários momentos os personagens parecem dialogar através do olhar, mostrando a intenção do realizador em valorizar pura e simplesmente o silêncio. Construindo sequências absolutamente inventivas, o hilário jeito de se comunicar do "caladão" John Krasinski é um dos pontos altos da trama, o roteiro adquire peso ao explorar a intensa conexão de Brian com Tracy, abordando com maturidade os reflexos de uma traumática relação do passado.


Outro acerto do longa fica pela maneira respeitosa como Crowe tira proveito da fascinante mitologia desta região. Ainda que peque ao não se aprofundar nos dilemas políticos e étnicos, o roteiro faz questão de defender a ligação dos havaianos com os seus deuses e a terra natal, encontrando no talentoso Jaeden Lieberher (Um Santo Vizinho) e na carismática Emma Stone (Magia ao Luar) dois interessantes porta-vozes desta fantástica mitologia. Vigorosa ao dar vida a uma habitante local "1\4 havaiana, filha de pai chinês e mãe sueca", fato que gerou certa polêmica junto a crítica norte-americana, Stone cria um tipo completamente apaixonante, convencendo ao interpretar uma jovem obstinada e inocente. Um desempenho semelhante ao de Bradley Cooper (O Lado Bom da Vida), que encara com honestidade o duvidoso Brian. Tentando dar alguma profundidade aos problemáticos diálogos do primeiro ato, o "sobrevivente" protagonista é habilidoso ao explorar as questões morais por trás do ex-militar, crescendo à medida que os seus dilemas se tornam mais sólidos. Uma pena que a jornada de redenção do seu personagem seja tão repentina, reduzindo um pouco do impacto por trás das cativantes duas últimas cenas. Vale destacar ainda as impecáveis presenças de Bill Murray (Os Caça Fantasmas), que diverte como um excêntrico milionário, de Alec Baldwin (A Fuga), irritado como o ex-comandante de Brian, e do comediante Danny McBride (Sua Alteza), bem mais contido como um coronel com um inusitado transtorno em suas mãos. 



Fazendo novamente um baita uso da trilha sonora, que sustenta com esperteza a atmosfera romântica deste inofensivo longa, Sob o Mesmo Céu nem de longe é o desastre que a crítica americana pintou. Mesmo sendo um dos trabalhos mais frágeis da estável carreira de Cameron Crowe, a película seduz pela forma simpática com que aborda o contexto militar, utilizando este pouco usual pano de fundo como uma ferramenta para reciclar algumas das fórmulas mais populares do gênero. Em meio a uma série de boas intenções, no entanto, Crowe verdadeiramente se destaca ao trabalhar com alguns recursos narrativos mais elaborados, mostrando que o silêncio, quando bem utilizado, pode valer mais do que mil palavras.

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