Abrindo mão do humor ácido e escrachado da trupe Porta dos Fundos, o diretor Ian SBF (Teste de Elenco) faz de Entre Abelhas uma das obras mais particulares dentro da nova safra de filmes nacionais. Um dos idealizadores por trás deste fenômeno 'viral' da comédia brasileira, o realizador mostra nesta nova empreitada um rigor estético absolutamente atraente, fugindo das amarras do cinema comercial ao dar contornos extremamente ousados a uma trama inesperadamente convencional. Contando com o impecável desempenho de Fábio Porchat (Meu Passado me Condena), que surpreende ao conceber um personagem intenso e completamente distante da sua zona de conforto, Ian encontra um caminho original e ligeiramente esquisito para narrar o impacto da depressão na rotina de um homem acometido pela dor da separação. Construindo uma espécie de drama com toques de suspense e comédia, o longa se aprofunda na complexidade humana ao contar a absurda história de um sujeito que deixou de enxergar as pessoas.
Apostando numa atmosfera propositalmente cinzenta, Ian SBF demonstra inspiração ao traduzir visualmente esta angustiante e inusitada jornada. Utilizando a cidade do Rio de Janeiro como um belo pano de fundo, já que a nebulosa fotografia de Alexandre Ramos renega por completo as maravilhas que cercam este cenário, o argumento assinado pelo próprio SBF, ao lado de Fábio Porchat, acompanha a curiosa situação de Bruno (Porchat). Obrigado a deixar o seu apartamento após o fim do casamento com a bela Regina (Giovanna Lancellotti), o ainda apaixonado homem reluta em aceitar o fim desta relação. Apesar do esforço do mulherengo e melhor amigo Davi (Marcos Veras), Bruno parece não querer encontrar um novo rumo, alimentando uma vontade cega de ter o seu amor de volta. Após uma noite de bebedeira na sua "despedida de casado", Bruno entra de vez numa espiral de confusão e sofrimento ao perceber que não está mais vendo as pessoas. À beira de um colapso nervoso, ele então passa a tentar entender os motivos deste improvável problema, lutando para não perder a sua sanidade. Contando com a ajuda de sua zelosa mãe (Irene Ravache), este desiludido homem terá que correr contra o tempo para encontrar uma resposta para o seu problema, impedindo assim que ele deixe de enxergar todas as pessoas ao seu redor.
Trabalhando habilmente com as questões psicológicas a cerca desta envolvente premissa, Ian SBF se distancia das explicações baratas ao se aprofundar nos dilemas em torno da figura Bruno. Fazendo desta "cegueira" uma bela e contundente metáfora sobre a depressão, pouco a pouco a aparente complexidade do argumento vai se diluindo, revelando que escondidos nesta insólita situação estão sintomas completamente inerentes a esta desordem mental. Sem querer revelar muito, é interessante ver como o roteiro explora com sagacidade alguns dos episódios mais comuns ao quadro depressivo, fazendo um baita uso dos simbolismos ao expor a apatia social, a baixa estima, o sentimento de culpa e a agonizante sensação de solidão do personagem após o traumático rompimento. É na relação de Bruno com o seu psicólogo (Marcelo Valle), aliás, que nascem os mais profundos e expressivos diálogos, evidenciando que o problema não está no que ele deixa de ver, mas sim naquilo que ele não quer enxergar. Assim como o bem resolvido argumento, o realizador é inteligente ao desenvolver o gradativo clima de tensão, demonstrando maturidade ao construir versáteis sequências. Toda a desconstrução emocional de Bruno é naturalmente orquestrada, rendendo momentos ao mesmo tempo hilários, como o exótico "tratamento" desenvolvido por sua mãe, e desesperadores, como a destruidora cena da chuva em que o personagem padece de vez diante de sua fragilidade.
O mais legal, no entanto, é que em meio à atmosfera comedida, Ian SBF desfila o seu talento ao tirar proveito do humor por trás desta 'non-sense' situação. Com diálogos sempre ágeis, que ganham ritmo graças ao ótimo tempo de comédia do elenco, o diretor é sutil ao brincar com a "loucura" de Bruno, pontuando o dramático arco com bem sucedidas doses de comédia. Fato que, logicamente, acaba potencializado pela presença de Fábio Porchat. Uma das principais revelações do Porta dos Fundos, o ator ostenta aqui uma veia completamente desconhecida, impressionando ao capturar as nuances surtadas do seu personagem. Numa atuação contida, Porchat traz peso a torturante condição do seu Bruno, evidenciando através do olhar ora perdido, ora desesperançoso, a vulnerabilidade deste homem despedaçado pela separação. Se Porchat é o grande trunfo deste longa, segurando com tranquilidade os enxutos 82 minutos de projeção, Irene Ravache mostra uma surpreendente veia cômica. Numa das personagens mais carismáticas, a experiente atriz traz peso a história, dando vida a divertida e super protetora mãe de Bruno. Por outro lado, num tipo bem menos inspirado, Marcos Veras garante boas risadas como o malandro Davi. No personagem mais convencional da trama, o Davi de Veras vai de encontro ao Bruno de Porchat, se mostrando um homem desapegado à fidelidade e a sua relação. Vale destacar ainda as boas atuações de Giovanna Lancellotti, muito bem como a humana esposa, e do comediante Luis Lobianco (Tim Maia), no personagem que se torna pivô dos momentos mais engraçados do filme.
Promovendo a reflexão através desta metafórica cegueira, Entre Abelhas trata a depressão de maneira fantasiosa ao narrar as desventuras de um homem machucado pelo amor. Abrindo mão da lógica no que diz respeito aos aparentes sumiços, que acabam culminando com uma resposta positivamente óbvia, o diretor Ian SBF é perspicaz ao compor esta alegoria sobre o medo da solidão, sobre o vazio existencial, sobre a misteriosa dor da perda. Tirando um belo proveito da expressão popular, aqui o pior cego é aquele que não quer ver um caminho, uma solução para as suas aflições. Ainda que peque pela falta de cuidado com a superficialidade de algumas passagens, os problemas que ocasionaram a separação do casal poderiam ter sido mais bem lapidados, este pitoresco drama encontra a sua verdadeira força na autêntica instabilidade de Bruno. Um homem que, em meio aos cada vez mais efêmeros e\ou virtuais relacionamentos atuais, se desespera com a possibilidade de não ter com quem manter uma simples e mútua relação afetiva.
2 comentários:
As críticas sobre este filme estão interessantes, ao que parece ele foge do estilo exagerado das produções protagonizadas por Porchat.
Abraço
Completamente Hugo. Na verdade, acho que mostra um lado pouco conhecido deste ator. Um interessante trabalho.
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