terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Foxcatcher - Uma História que Chocou o Mundo

Embalado por três grandes atuações, longa questiona a fábula do êxito norte-americano através do esporte

Se existe algo que faz parte da identidade do povo norte-americano é o senso patriótico. Um sentimento que parece enraizado na cultura local, sendo exposto frequentemente em filmes, espetáculos e, principalmente, em alguns dos maiores eventos esportivos. Ultimamente, no entanto, esta exaltação parece verdadeiramente se aflorar durante os Jogos Olímpicos, onde os EUA costumam seguir mostrando a sua supremacia em relação a grande maioria dos países. Utilizando justamente esta fábula do sonho olímpico para questionar a sociedade norte-americana, o diretor Bennett Miller faz de Foxcatcher: A História que Chocou o Mundo um retrato tenso e psicológico sobre um desses episódios que o "Tio Sam" costuma varrer para baixo do tapete. Sem fugir das polêmicas em torno da história real do milionário John Du Pont, que era conhecido entre os amigos como "Águia Dourada", o realizador se apoia na trinca de avassaladoras atuações para desconstruir alguns dos principais pilares da identidade deste país.


Evitando se ater somente aos fatos, o roteiro assinado por E. Max Frye e Dan Futterman foge do lugar comum ao tentar se aprofundar na análise da personalidade destes dois símbolos de prosperidade. De um lado temos o milionário patriota John Du Pont (Steve Carell), único herdeiro de uma das famílias mais ricas dos EUA. Procurando sempre se auto afirmar perante a "castradora" mãe (Vanessa Redgrave), John é um daqueles homens que não poupa esforços e nem dinheiro para conseguir saciar as suas vontades. Do outro temos o medalhista olímpico Mark Schultz (Channing Tatum), um respeitado representante da Luta Livre que parece não ter colhido ainda os frutos de sua vitória nos Jogos da Califórnia, em 1984. Vivendo à sombra do irmão, o experiente lutador Dave Schultz (Mark Ruffalo), Mark vê a chance de ouro aparecer quando é convidado por John para treinar e comandar uma equipe de lutadores do rancho Foxcatcher. Disposto a ser o líder da maior equipe de lutadores dos EUA, Du Pont passa a enxergar em Mark a figura de um herói, um exemplo de perfeição para o povo norte-americano. Movido pela ambição em torno das altas cifras, Mark aceita a proposta e passa a morar na fazenda da família du Pont. Aos poucos, no entanto, a personalidade possessiva de John começa a incomodar o inocente lutador, estremecendo não só a amizade entre eles, mas também atrapalhando a sua rotina de treinos.


Narrado através de um ritmo propositalmente lento, sempre destacando o vazio em torno da rotina dos dois, Bennett Miller encontra na intensa trilha-sonora de Rob Simonsen (O Verão da Minha Vida) e na pálida fotografia de Greig Fraser (A Hora Mais Escura) uma maneira de enfatizar, desde a primeira cena, a tensão em torno desta trágica história real. Se aproveitando dos fatos para subverter temas como a necessidade de vencer, de ser bem sucedido e popular, o realizador se esforça para tentar entender as verdadeiras motivações por trás das atitudes de Mark e Du Pont. Encontrando no poder da sugestão um aliado poderoso, o argumento é preciso ao questionar a necessidade destes homens em se afirmarem como homens, colocando em cheque alguns dos valores universais mais exaltados pelos americanos. Prova disso é que num determinado momento, após Du Pont vencer uma luta de Masters, Miller faz questão de mostrar a forma imoral como que ela veio, evidenciando o vazio por trás destas conquistas obtidas à qualquer custo. Neste cenário, aliás, o Wrestling funciona como um belo pano de fundo nesta crítica, destacando não só a forma exagerada como o lutador ultrapassa os limites físicos e emocionais em busca da vitória, mas também insinuando um polêmico interesse homossexual entre John e Mark. Por falar em insinuações, nas entrelinhas, Miller ainda acha espaço para promover uma discussão envolvendo o distanciamento materno, que acaba potencializada pela pontual e magnífica presença da veterana Vanessa Redgrave (Júlia).


Por mais que o apuro estético de Bennett Miller contribua para a latente tensão, com destaque para a frieza dilacerante do impactante clímax, é na qualidade do elenco que reside a genuína força de Foxcatcher. A começar pela surpreendente atuação de Steve Carell, realmente impressionante como o contido, egoísta e solitário John du Pont. Por baixo da pesada e impecável maquiagem, ele chama a atenção por sua expressividade corporal, construindo um vulnerável milionário que parece viver dentro do seu próprio mundo. Através dos passos lentos e da voz de aparência frágil, o ator é cuidadoso ao se concentrar nos pequenos detalhes, com destaque para a recorrente pose de superioridade e o nítido distanciamento emocional de seu personagem. Enquanto Carell aposta numa atuação mais cerebral, Channing Tatum traz o seu reconhecido vigor físico para o longa. Demonstrando naturalidade ao reproduzir a entristecida inocência inicial de Mark, Tatum é igualmente intenso ao acompanhar as mudanças comportamentais do seu personagem, roubando a cena nas (provavelmente) dolorosas sequências de "auto-espancamento". A grande performance, no entanto, fica pelo versátil Mark Ruffallo. Dando vida ao maduro e vibrante Dave, o ator impressiona não só pela aptidão física, mas principalmente pela habilidade ao construir este pai de família visivelmente interessado nas facilidades oferecida por Du Pont. A cena em que ele precisa, à contragosto, fazer elogios ao milionário é um dos pontos altos da película. Em compensação, vale lembrar da apagada presença da atriz Sienna Miller, sub-aproveitada com a esposa de Dave.


Procurando esmiuçar de maneira sóbria os acontecimentos em torno deste trágico episódio, Foxcatcher - A História que Chocou o Mundo se aproveita dos fatos para questionar de forma franca a nocividade em torno do poder de um vaidoso milionário e a sua crença de que tudo e todos têm o seu preço. Apesar do ritmo lento e das excessivas 2 h e 15 min se mostrarem incomodas, a habilidade de Bennett Miller em adaptar histórias reais, o brilhantismo do elenco e a verossimilhança dos combates dão a este drama psicológico - com toques de suspense - uma aura extremamente sombria. Mesmo não sendo tão chocante quanto o subtítulo brasileiro tenta sugerir, o longa se mostra um relato contundente sobre as desventuras de um lutador que viu o sonho do ouro olímpico virar pesadelo ao confundir ambição com independência.


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