domingo, 29 de setembro de 2013

Festival do Rio (O Mordomo da Casa Branca)



Lee Daniels narra de forma interessante todo o processo envolvendo a ascensão do negro dentro dos EUA, mas não escapa da parcialidade quando o assunto é politica.

Não é novidade pra ninguém que os Estados Unidos foram, ou talvez ainda sejam, um dos países com maiores problemas envolvendo a questão da igualdade racial. E que ainda hoje, mesmo com a reeleição de Barack Obama, a realidade esteja longe do ideal. Ciente desta situação, o diretor Lee Daniels, do elogiado Preciosa, escolhe o difícil caminho de narrar toda essa grande batalha pela igualdade racial dentro dos EUA. Sob o ponto de vista de um mordomo, que durante 34 anos trabalhou na Casa Branca, Daniels foca nas questões politicas, para levar ao espectador vários grandes personagens responsáveis por todo esse processo. O diretor, no entanto, acaba pecando por tentar fazer de Obama, e do discurso democrata, o grande ponto final desta batalha pela igualdade racial. 

Baseada em uma história real, publicada em reportagem pelo jornal Washington Post, o longa se inspira na vida de Eugenne Allen, um mordomo negro que durante 34 anos serviu 8 presidentes dentro da Casa Branca. Na trama, Allen passa a ser Cecil Gaines (Forest Withaker), um homem com triste passado, que acabou sendo treinado para servir. E esse bom serviço em um hotel cinco estrelas, acabou lhe rendendo um convite para trabalhar na Casa Branca, fato que dentro da realidade negra nos anos 50 e 60, viria a ser uma das melhores oportunidades de emprego. Sem questionar o seu papel dentro da sociedade, Cecil passa a servir com afinco durante três décadas os presidentes norte-americanos, mas acaba deixando de lado sua família, composta por Glória (Oprah Winfrey), Charlie (Elijah Kelley) e Louis (David Oyelowo).


Conduzido com mãos pesadas pelo diretor, o longa não economiza no impacto ao reproduzir este doloroso período dentro da história norte-americana. Em meio aos trágicos acontecimentos apresentados no filme, sempre bem conduzidos por Daniels, poucos são os momentos de alívio durante as quase 2 h e 10 de projeção. Assinado por Danny Strong, a grande sacada do roteiro é conseguir ressaltar, justamente, os contrastes que marcaram este período. Não só as já exploradas diferenças na realidade de vida inter-racial , mas sim, os diferentes pontos de vista dentro do próprio modo de pensar negro. Nesse caso, a diferença entre Cecil e seu filho Louis. O mordomo Cecil, que passou por graves dificuldades em sua infância, acreditava que servir era a sua grande missão dentro da sociedade, e que a igualdade racial só seria conseguida com trabalho e respeito. Por outro lado, seu filho Louis desde jovem já se mostrava engajado com a causa negra e acreditava que os direitos civis só seriam alcançados com a luta e a participação na esfera politica. Como se não bastasse as grandes atuações de Forest Withaker e David Oyelowo, que incorporam muito bem esses contrastes, Lee Daniels consegue explorar bem todas essas diferenças, apostando em cenas tão contrastantes quanto os ideais de seus personagens. Ao mesmo tempo em que ele explora toda a organização e pompa envolvendo a Casa Branca, o diretor também ressalta os diversos tipos de violência sofrida pelos negros durante este período - às vezes em uma mesma cena - fato que acaba causando um grande impacto no espectador. 


Narrado quase como uma fábula, Lee Daniels consegue, ainda que superficialmente, contar importantes passagens dentro da história norte americana. O diretor leva as telas nomes importantes como Martin Luther King Jr, Malcom X, os Panteras Negras, além de vários presidentes norte-americanos, começando por Dwight D. Eisenhower, passando por Kennedy e chegando a Ronald Reagan. Em função da grande quantidade de fatos históricos, Daniels realmente não tem muito tempo para aprofunda-los, mas consegue um resultado satisfatório ao dar ênfase a vários lados dessa história, sem que o público fique desorientado. O problema maior, na verdade, fica pelo velado discurso politico apresentado. O espectador mais desligado nem vai perceber, mas fica nítido como os presidentes Democratas são figuras mais exaltadas do que os Republicanos. Não quero aqui discutir politica, nem as atitudes tomadas pelos presidentes norte-americanos, mas nomes como John Kennedy e Lyndon Johnson tem seus lados positivos mais destacados, enquanto Reagan e Nixon, apesar de também terém sido retratados como respeitáveis pessoas, tem as suas decisões negativas ressaltadas. Pra se ter uma noção, enquanto Kennedy fica marcado pelo seu charme e pelo discurso a favor da igualdade dos direitos raciais, Reagan acaba sendo mostrado como o presidente que vetou um projeto de lei norte-americano contra o governo sul-africano, em meio ao duro regime do Apartheid. O ponto que mais me incomodou, no entanto, foi o clímax envolvendo a eleição de Barack Obama. Isso porque nesse momento, o então velado discurso passa a ficar escancarado, com direito a utilização do famoso bordão "Yes We Can". A impressão que fica é que a eleição de Obama se torna o grande ponto final em um longo processo pela igualdade racial, o que talvez não represente - ainda - a realidade do povo norte-americano. Por outro lado, a trama acerta ao explorar as particularidades de cada um dos presidentes, fato que acaba sendo uma surpresa agradável para o espectador.


Se a abordagem politica foi o grande deslize de O Mordomo da Casa Branca, eu não tenho dúvidas que o grande acerto ficou pela escolha do elenco. Ciente da necessidade de interpretações fortes, algumas até exageradas, a escolha de Forest Whitaker para viver o mordomo Cecil foi certeira. O ator vencedor do Oscar por O Último Rei da Escócia tem uma intensa atuação, num personagem contido, mas altamente expressivo. Desde já, forte concorrente na disputa por mais uma indicação ao prêmio da academia. E ele é acompanhado de perto pela surpreendente atuação da apresentadora Oprah Winfrey. Longe das telonas desde 1998, Oprah tem um desempenho arrebatador, ao viver uma mãe com sérios problemas com o álcool, que não aceita o fato do marido priorizar o trabalho em detrimento da família. Do elenco principal, destaco ainda David Oyelowo, que constrói um impressionante processo de amadurecimento na pele do engajado Louis. Vale mencionar também o ótimo elenco de apoio, que conta com intensas atuações de Cuba Gooding Jr, finalmente com um papel interessante, Elijah Kelly, Vanessa Redgrave, Jane Fonda, John Cusak, Lenny Kravitz, Liev Schriber, muito bem na pele de Lyndon Johnson, James Marsden e Allan Rickman, que pelo fato de ser inglês, foi uma escolha curiosa pra viver Ronald Reagan. 


Filme pensado para disputar grandes prêmios, O Mordomo da Casa Branca é também um trabalho que tenta ser crítico e não se omite ao questionar a própria posição do povo americano, seja branco ou negro, em meio a estes fatos. Apesar da certa parcialidade quando o assunto é politica, o longa é mais um a promover a sempre interessante reflexão no espectador. Uma perspicaz aula de história dentro da Casa Branca, que surge como potencial candidata a disputa do Oscar.

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