Obrigada a repensar a sua estratégia após as pesadas críticas em torno do instável Batman Vs Superman, a Warner resolveu apostar numa mudança drástica. E pra pior. Vendido brilhantemente ao longo do último ano, vide os espetaculares trailers e os curiosos relatos dos bastidores, Esquadrão Suicida decepciona ao repetir a maior parte dos erros do seu antecessor. Apesar da proposta mais pop e bem humorada funcionar, o longa dirigido e roteirizado por David Ayer esbarra no seu próprio descompromisso, subaproveitando os conflitos dos seus carismáticos anti-heróis em prol de uma premissa rasa e carente de personalidade. Pra piorar, como se não bastassem os já recorrentes problemas de tom, o realizador falha grosseiramente no que diz respeito ao aspecto visual, principalmente nas genéricas sequências de ação, o que só eleva o grau de frustração em torno deste aguardado blockbuster. Menos mal que, mesmo à mercê de um argumento desastroso, o talentoso elenco absorve com energia a excentricidade dos seus personagens, escancarando o potencial inexplorado por trás deste divertido grupo de super vilões.
Num primeiro momento, porém, Esquadrão Suicida deixa uma excelente impressão. Com leveza e bom ritmo, David Ayer é habilidoso ao introduzir os integrantes deste bando de temidos vilões. A sequência em que a 'bad-ass' Amanda Waller (Viola Davis) apresenta aos seus superiores os membros da Força Tarefa X, por exemplo, se revela um dos pontos mais inspirados da película, incrementada pela eclética trilha sonora e pelas coloridas inserções gráficas. Dentro deste contexto, aliás, as cenas ambientadas na prisão são irreverentes e realmente engraçadas, potencializadas pelo carismático elenco, pela pegada pop da película e pelo afiado senso de humor do roteiro. Além disso, com personagens tão particulares em mãos, o realizador surpreende ao utiliza-los de maneira inesperadamente equilibrada. Ainda que o letal "Pistoleiro" (Will Smith) e a lunática "Arlequina" (Margot Robbie) ganhem um inegável protagonismo, o argumento se esforça ao permitir que cada um dos membros do esquadrão contribua para o rumo da trama, impedindo que eles se tornem peças meramente figurativas. A única exceção fica para o escapista "Amarra" (Adam Beach), que ganha uma participação ingrata e totalmente improdutiva.
Uma pena que, na ânsia de coloca-los em ação, David Ayer não mostre a mínima preocupação em desenvolver a dinâmica da equipe, a relação entre os membros do esquadrão e os seus respectivos dramas pessoais. Por mais que os dilemas entre o líder Rick Flag (Joel Kinnaman) e a instável June "Magia" Moone (Cara Delavigne) sejam explorados com maior sensibilidade, o realizador opta por subaproveitar os consistentes conflitos dos seus personagem, que "brotam" em cena de forma desconexa e superficial. Uma falha imperdoável e que ecoa diretamente no último ato, quando o argumento tenta criar uma forçada conexão afetiva entre eles. Num todo, aliás, a premissa é mal arquitetada e conveniente. Após o introdutório primeiro ato, o argumento descamba para a ação de maneira grosseira e precipitada. Não existe construção de ameaça, nem tão pouco atmosfera de tensão. Apesar do rótulo vilanesco, nenhum dos integrantes do Esquadrão Suicida parece realmente mau ou perigoso. No máximo, instáveis e surtados. Além disso, apesar do visual tenebroso, a vilã Magia é fraquíssima. Uma personagem rasa, com planos genéricos. Ela simplesmente surge em cena com a intenção de construir uma arma, um artefato pirotécnico que em nenhum momento tem a sua finalidade explicada. Em suma, uma figura nefasta que rende um par de boas cenas, entre elas um divertido vislumbre ilusório. Pra piorar, na tentativa de abrir pequenas subtramas mais intimistas, Ayer investe em flashbacks aleatórios, redundantes e anti-climáticos, realçando os evidentes problemas de tom da película. Numa sequência chave, por exemplo, os personagens vão do escárnio ao pesar com absoluto descuido, abreviando as emoções por trás de uma revelação densa e incomoda.
Nenhum destes equívocos, porém, me incomodaram tanto quanto a presença do icônico Coringa. Não, Jared Leto não decepciona como um dos mais populares vilões da cultura pop. Dono de um carisma natural, o ator cria um Coringa ousado e autoral. Um personagem das ruas, mais gangster do que anarquista. O problema não está na sua extravagante concepção, mas na sua dispensável presença dentro da trama. Não dá pra entender como uma figura deste porte, desta importância, surge em cena de maneira tão irresponsável. Ainda que a sua relação com a Arlequina renda um dos arcos mais agradáveis do filme, chega a ser revoltante ver um antagonista deste quilate sendo coadjuvante da Magia. Um completo desperdício de talento e peso narrativo. Isso pra não falar da aparição do Batman, desastradamente divulgada durante a campanha de marketing do longa. Em contrapartida, a dúbia Amanda Waller se revela uma personagem forte e notável. De longe um dos grandes acertos da película, a mente por trás do Esquadrão Suicida comanda este vilanesco grupo sob rédeas curtas, numa relação dura e nada amistosa. Sem querer contar muito, ela esconde algumas surpreendentes nuances, daquelas que a transformam num elemento capaz de tomar as mais extremas medidas sem um pingo de remorso. Méritos que, logicamente, precisam ser divididos com a talentosa Viola Davis, impecável ao dar vida a esta mulher prática e destemida.
Assim como no roteiro, Esquadrão Suicida oscila também quando o assunto é o seu visual. Na caracterização dos personagens, David Ayer beira a perfeição. A começar pelo descolado Coringa, um tipo recheado de detalhes, entre eles a cultuada maquiagem carregada, as inúmeras tatuagens (a de sorriso é incrível) e os extravagantes dentes platinados. Já a Arlequina ganha uma 'make-up' fiel aos quadrinhos, um trabalho mais borrado que combina perfeitamente com a sua persona lunática. O mesmo, inclusive, acontece com o volátil "Diablo", uma figura cujo a caracterização contribui diretamente para a construção da sua identidade. Nenhum deles, no entanto, supera o obscuro design da assustadora Magia, o lampejo de inspiração de Ayer no que diz respeito a construção dos efeitos digitais. Até porque, ainda que no clímax ele nos brinde com um combate realmente original, uma batalha nas sombras esteticamente satisfatória, ao longo da película o realizador entrega uma série de confusas sequências de ação, a maioria delas prejudicadas pela escura fotografia de Roman Vasyanov (Corações de Ferro), pelas preguiçosas coreografias e pelo artificial CGI. Sem medo de errar, a criatura despertada pela antagonista é tão genérica quanto o Apocalypse de A Origem da Justiça. Pra variar, aliás, os trailers revelaram demais, o que reduz o impacto de algumas das cenas mais legais, como o combate no elevador estrelado pela "pudinzinho". O resultado são combates (em sua maioria) acelerados e pouco empolgantes.
Quem "salva" o dia em o Esquadrão Suicida, no entanto, é mesmo o versátil elenco. Alçado ao protagonismo, Will Smith esbanja carisma como o Pistoleiro, criando um tipo capaz de convencer seja como um frio atirador de elite, seja como um amargurado pai de família. Um degrau acima do seu parceiro de cena, Margot Robbie é a diversão em formato de personagem. Vibrante como a carismática Arlequina, a atriz australiana absorve com enorme leveza não só a insanidade da sua anti-heroína, como também o seu humor afiado e extravagante. A sua nociva relação com o Coringa, aliás, funciona a contento, mesmo sendo tão pouco explorada pelo roteiro. Quem também mostra vigor em cena é o contido Joel Kinnaman. Na pele do membro mais sisudo do supergrupo, o ator sueco cria uma figura aparentemente rígida e confiante, mas que se amolece naturalmente à medida que os seus dilemas sentimentais vão sendo explorados. Assim como Kinnaman, a bela Cara Delevingne se sai bem como a soturna Magia. Mesmo com um alter ego raso em mãos, a ex-modelo inglesa mostra espontaneidade ao reproduzir a mobilidade selvagem e os gestos expressivos da sua antagonista, criando um tipo visualmente funcional. Já Jai Courtney surpreende ao arrancar honestas risadas com o seu Capitão Bumerangue. Mesmo "esquecido" pelo argumento, o ator se torna um preciso alívio cômico, graças ao seu olhar insano e a sua postura anarquista. Por outro lado, o jovem Jay Hernandez patina ao capturar a dor do complexo Diablo, abreviando o peso de algumas sequências que necessitavam de uma carga dramática mais forte.
Contando ainda com um 3-D totalmente dispensável, Esquadrão Suicida se agarra como pode no carisma dos seus personagens e consegue divertir. O resultado, porém, passa longe, bem longe, do 'hype' criado em torno deste exótico e vilanesco supergrupo. Na verdade, na ânsia de criar um produto mais pop, a Warner resolveu arriscar tudo, requentar ideias já exploradas pela concorrência e apostar num produto aparentemente mais palatável aos olhos do público. Investiram num repertório musical descolado (e por vezes aleatório), num design gráfico colorido, no humor mais constante, mas esqueceram de entregar uma obra coesa e memorável. Desta forma, além de repetir alguns dos equívocos apresentados em Batman Vs Superman, David Ayer e os produtores do estúdio esbarram numa série de novos problemas ao abraçar uma proposta que não estão acostumados a defender. Em suma, mesmo melhor resolvido no que diz respeito ao potencial de entretenimento, Esquadrão Suicida representa um retrocesso de qualidade se comparado com A Origem da Justiça. E por essa, sinceramente, eu não esperava.
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