sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Sicario: Terra de Ninguém

Uma ovelha em terra de lobos

Com o padrão Denis Villeneuve de tensão, Sicario: Terra de Ninguém é contundente ao escancarar a espiral de violência envolvendo o tráfico de drogas nos EUA. Num tom altamente crítico, o diretor canadense, aclamado pelos igualmente intensos Incêndios (2010) e Suspeitos (2013), aponta a sua mira feroz para o próprio governo norte-americano ao colocar em cheque as suas atitudes diante de um cenário cada vez mais alarmante. Através do idealista olhar de uma obstinada agente do FBI, vivida com absoluta entrega pela talentosa Emily Blunt, este envolvente thriller policial vai a fundo ao discutir os limites morais por trás de uma operação contra um poderoso cartel mexicano. Um relato corajoso e tecnicamente impecável, potencializado pelas atuações fortes, pela condução inspirada de Villeneuve e pela pulsante trilha sonora.


Num relato desconcertante e inegavelmente universal, o argumento assinado por Taylor Sheridan (Sons of Anarchy) é extremamente bem resolvido ao expor o impacto do narcotráfico dentro da nossa sociedade. Apesar de se passar na fronteira entre os EUA e o México, os assustadores questionamentos levantados pelo longa dialogam, por exemplo, com muitos dos problemas enfrentados no nosso dia a dia, revelando de maneira realística alguns dos fatores responsáveis pela opressiva ação do tráfico em algumas metrópoles. Ineficiência do Estado, corrupção, interesses escusos, desigualdade social, esses e alguns outros temas se cruzam organicamente com a trama, preparando o terreno para a reveladora nova missão da agente Kate Macer (Blunt). Após descobrir um dos QG's de um cartel mexicano em solo norte-americano, a determinada policial do FBI é escalada para uma audaciosa operação, passando a responder ao ardiloso agente da defesa Matt Graver (Josh Brolin). Disposta a desmantelar esta organização criminosa, Kate embarca numa perigosa jornada, sem saber o quão tênue e moralmente questionável seria essa ação.


Com uma fértil e impactante premissa em mãos, Dennis Villeneuve mais uma vez esbanja categoria ao desenvolver com rara inspiração os seus protagonistas. Sem esquecer o engajado teor crítico, que progride espantosamente até o avassalador último ato, o realizador canadense é categórico ao mostrar através de um olhar nitidamente inocente a sujeira por trás de uma operação deste porte. Contando com a soberba atuação de Emily Blunt, fantástica ao reproduzir a desconstrução física e emocional da sua personagem, Villeneuve é perspicaz ao introduzir a crise ética da agente diante deste cenário nebuloso. Indo da destemida à incapaz com extrema naturalidade, a atriz é habilidosa ao tirar proveito das nuances possibilitadas pelo roteiro, acrescentando uma incrível dose de humanidade a sua Kate. Um desempenho que cresce à medida que ela se vê atraída para esta arriscada missão, iniciando uma parceria moralmente dúbia com o experiente agente Matt (Brolin) e com o misterioso Alejandro (Benicio Del Toro).


Sabendo o que tirar de cada um dos seus comandados, Villeneuve cria um interessante contraste ao compor esta relação marcada pela desconfiança e tensão. Enquanto Kate se mostra completamente transparente em cena, Matt e Alejandro têm as suas intenções espertamente protegidas pelo argumento, criando uma dinâmica que só injeta peso à película. Completamente à vontade em cena, Josh Brolin impressiona ao compor um personagem repleto de confiança, um tipo praticamente incompatível com a nociva realidade em que está inserido. Responsável por introduzir a idealista agente no submundo do narcotráfico, Brolin rouba a cena ao polarizar este embate moral, demonstrando uma espantosa praticidade ao abraçar o discurso do seu personagem. Já Alejandro é um daqueles tipos que modificam o rumo de uma trama. Sem querer revelar muito, o braço direito de Matt se revela um dos pontos altos dentro do competente roteiro, instigando o espectador com um personagem sorrateiro e cheio de segredos. Méritos para Benicio Del Toro, magnífico ao explorar a intensidade deste elemento dentro do devastador clímax. No meio deste fogo cruzado, sobra ainda tempo para uma aparentemente despretensiosa subtrama, um pequeno arremate que logo se revela a cereja no bolo da abrangente crítica social proposta pelo longa


E por mais que a coerente virada na trama seja ligeiramente previsível, Denis Villeneuve mantém o clima de tensão sempre em alta ao nos brindar com um trabalho tecnicamente irretocável. Contando com a iluminada fotografia de Roger Deakins (Os Suspeitos, Onde os Fracos Não Tem Vez), brilhante ao explorar os amplos cenários e a aridez desértica, o realizador canadense aposta em soluções completamente inventivas. Indo dos fantásticos 'takes' aéreos às angustiantes sequências noturnas, Villeneuve faz questão de valorizar a sensação de perigo iminente, adicionando energia as pontuais e verossímeis cenas de ação. No ritmo da vibrante trilha sonora do islandês Jóhann Jóhannsson e do extraordinário desenho de som, o longa nos coloca no epicentro do perigo, criando uma experiência genuinamente sufocante. Desta forma, aliando rigor técnico a três preciosas atuações, Sicario: Terra de Ninguém choca ao evidenciar a impotência de uma ovelha em uma terra comandada por lobos.

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