terça-feira, 19 de maio de 2015

De 'Mad Max' à 'Happy Feet', conheça a versátil trajetória do diretor George Miller


Responsável por um dos mais espetaculares lançamentos deste ano, o insano, engajado e explosivo Estrada da Fúria (confira a nossa opinião aqui), George Miller é um daqueles realizadores difíceis de definir. Idealizador da agora quadrilogia Mad Max, o experiente diretor, produtor e roteirista australiano ficou reconhecido não só por apresentar para o mundo o astro Mel Gibson (Coração Valente), como também por fazer desta franquia um exemplo a ser seguido junto aos filmes pós-apocalípticos. O que muitos não sabem, no entanto, é que apesar de ter se destacado dentro do cinema de ação, Miller nunca gostou de se manter no que chamamos de "zona de conforto". Ao longo de uma carreira seleta e bem sucedida, o profissional evitou se prender a rótulos, demonstrando versatilidade ao dialogar com todos os públicos. Prova disso é que a mesma mente por trás da violenta jornada de redenção do anti-herói Max Rockatansky foi capaz de conquistar prêmios com os inocentes 'Babe - O Porquinho Atrapalhado' e 'Happy Feet - O Pinguim'. Conheça então um pouco mais sobre a trajetória de George Miller, que, hoje aos setenta anos, conseguiu impressionar a crítica especializada pelo seu vigor ao conduzir um extraordinário e indiscutivelmente ousado filme de ação.


Nascido em março de 1945, George Miller teve um início de carreira absolutamente particular. Apesar da paixão pela sétima arte, o australiano resolveu se formar em Medicina e chegou a trabalhar na emergência de um hospital em Sidney, utilizando a experiência no trato das muitas vítimas do trânsito como inspiração para o seu primeiro grande trabalho. Após a realização de alguns curtas, ele chegou "chutando portas" com brutal Mad Max (1979). Sem dinheiro, mas com muitas (boas) ideias na cabeça, o profissional reuniu os amigos, e contando com o apoio do próprio elenco deu contornos altamente autorais a impactante história de vingança de um homem em uma sociedade prestes a ruir. Apostando no talento do então jovem Mel Gibson, que aos 23 anos já esbanjava a sua reconhecida intensidade, Miller optou por construir um longa recheado de efeitos práticos, com batidas e acidentes realistas, espantando os fãs do gênero com sequências de perseguição espetaculares, pela narrativa crua e pela originalidade estética. Fazendo o possível para tirar o máximo proveito do baixo orçamento, Miller chegou a permitir que os figurantes usassem as suas próprias roupas e carros, construindo através de soluções como estas uma produção bem maior do que os modestos US$ 300 mil poderiam proporcionar. O resultado, logicamente, foi espetacular, e o longa fez grande sucesso não só na Austrália, como também nos EUA. Na verdade, segundo o Guinness Book, até o ano de 1998 Mad Max era o filme de maior custo/retorno na história do cinema, com uma bilheteria de impressionantes US$ 100 milhões em todo o mundo.


Empurrado por esta espetacular experiência, George Miller resolveu ampliar as suas ideias no avassalador Mad Max 2 - A Caçada Continua (1981). Ainda na Austrália, mas com um orçamento bem mais generoso, o diretor conseguiu tirar as suas ideias do papel, pintando um relato insano, violento e angustiante sobre o futuro no pós-apocalíptico. Promovendo uma voraz crítica social, Miller é contundente ao narrar as consequências da escassez dos recursos naturais, pintando um cenário agressivo ao mostrar uma realidade em que a água e o combustível eram os bem mais preciosos. Criando uma atmosfera que se tornou recorrente em muitas obras do gênero, inspirando títulos como 'Ciborgue', 'O Livro de Eli', 'A Estrada' e 'The Rover', Miller trouxe ares ainda mais insanos à trama, avançando a sua premissa para um futuro onde a lei dos mais forte imperava, com os homens e as excêntricas máquinas batalhando pela "sobrevivência". Em entrevista recente a Revista Veja, no entanto, o pai desta franquia fez questão de deixar claro que esta atmosfera foi desenvolvida quase que por acaso, motivada pelo baixo orçamento do primeiro longa. "Nosso orçamento era minúsculo, pouco mais de 300 000 dólares, e não tínhamos dinheiro para filmar Mad Max como uma história contemporânea. (...) A solução quebra-galho foi essa: vamos ambientar o enredo no futuro, numa Austrália devastada e quase deserta, porque aí não vamos precisar gastar com nada disso. Foi por acidente, portanto, que Mad Max inaugurou o gênero do pós-apocalipse", revelou o diretor a publicação. Trazendo um Max mais preparado, completamente frio após uma tragédia familiar, esta continuação impressionou pelos particulares personagens, com suas roupas de couro e armaduras, e pelos alucinantes embates automotivos em solo desértico, numa época em que os efeitos digitais ainda engatinhavam. Mostrando a humanidade dividida em tribos, retroagindo moralmente perante o iminente fim, A Caçada Continua se tornou o símbolo desta franquia, um sucesso que abriu as portas de Hollywood para George Miller.


Já nos EUA, o realizador australiano sofreu com a interferência dos grandes estúdios. Visando alcançar um público mais amplo, os produtores resolveram amenizar a violência em torno de Mad Max - Além da Cúpula do Trovão (1985), fazendo um filme pós-apocalíptico para toda a família. Contando novamente com a agora conhecida figura de Mel Gibson, que já havia se tornado um nome forte em Hollywood, e com o turbinado orçamento de US$ 12 milhões, George Miller conseguiu se manter fiel a estética dois primeiros longas, é verdade, mas as ideias já não pareceram tão novas. Abalado pela perda do amigo e parceiro de trabalho Byron Kennedy, que faleceu em um acidente de helicóptero em 1983, o diretor australiano nitidamente se sentiu perdido, tanto que acabou dividindo a direção deste terceiro longa com George Ogilvie (da minissérie Bodyline). O resultado é um filme cheio de altos e baixo, com algumas soluções equivocadas, que ficou verdadeiramente marcado pela emblemática antagonista vivida pela cantora Tina Turner e pela clássica canção tema 'We Don't Need Another Hero'. O sucesso de público, no entanto, foi enorme, e o longa faturou cerca de US$ 40 milhões somente nos EUA, números que para a época representavam um grande resultado. No ritmo deste sucesso, Miller decidiu se estabelecer nos EUA. Procurando se distanciar do franquia que o consagrou, o realizador acabou produzindo o suspense 'Terror a Bordo' e o drama 'Flertando - Aprendendo a Viver', os dois estrelados por uma jovem Nicole Kidman.


A versatilidade do australiano, porém, começou a ser testada na comédia As Bruxas Eastwick (1987). Reconhecido pela brutalidade da franquia Mad Max, George Miller chamou a atenção do público ao guiar a ácida comédia de humor negro estrelada por Jack Nicholson, Susan Sarandon, Michelle Pfeifer e Cher. Indicado a dois Oscar, Melhor Som e Melhor Trilha Sonora, o longa se tornou um sucesso da Warner ao faturar expressivos US$ 63 milhões somente em solo norte-americano. Narrando as desventuras de três mulheres solitárias perante um misterioso homem, Miller fez desta trama - com toques ironicamente sombrios - uma criativa guerra dos sexos, levantando discussões acerca da emancipação feminina e do papel da mulher dentro da sociedade norte-americana na década de 1980. Questões que, diga-se de passagem, anos mais tarde voltariam ao foco do diretor, de maneira inesperada, em 'Mad Max - Estrada da Fúria'. Indo da ação à comédia, George Miller resolveu passear por um novo gênero no competente drama O Óleo de Lorenzo (1992). Apresentando a sutil e comovente luta de um pai (Nick Nolte) para encontrar a cura para a rara doença do seu filho, o diretor pôde explorar com rara felicidade a sua experiência dentro da medicina, adaptando com extrema propriedade uma trama inspirada em uma história real. Realçando o lado mais sensível de um profissional acostumado aos filmes de ação, o longa foi muito bem recebido pela crítica, consolidando o apurado faro do australiano nos mais variados segmentos. Hoje com 94% de aprovação pelo site Rotten Tomatoes, O Óleo de Lorenzo (foto acima) rendeu ainda a primeira indicação ao Oscar de Miller, que foi nomeado ao prêmio de Melhor Roteirista.


Após brilhar dentro drama, o realizador surpreendeu a todos ao rumar para aventura infantil no "arrasa quarteirão" Babe - O Porquinho Atrapalhado (1995). Mais uma vez na função de produtor e roteirista, Miller mostrou o seu lado mais visionário ao adaptar o inocente livro "The Sheep-Pig", de Dick King-Smith. Através de uma trama recheada de temas elaborados, em que um carismático porquinho resolve se revoltar contra a sua condição numa fazenda de animais, o realizador foi a grande mente por trás deste curioso projeto, que pasmem vocês acabou indicado a sete Oscar, incluindo o de Melhor Filme, Melhor Ator, para James Cromwell, e Melhor Roteiro. Curiosamente, aliás, neste mesmo ano o grande vencedor do prêmio da academia foi 'Coração Valente', épico estrelado e dirigido por um já consagrado Mel Gibson. Depois de crescerem juntos na franquia 'Mad Max', Gibson e Miller viram os seus respectivos caminhos se cruzarem novamente, desta vez no topo de uma das premiações mais importantes da sétima arte. Sem dúvida alguma, uma daquelas fantásticas coincidências que só o destino é capaz de pregar. Dirigido pelo também australiano Chris Noonan, Babe levou o Oscar de Melhor Efeitos Visuais e faturou impressionantes US$ 254 milhões em todo mundo. O sucesso foi tanto que três anos depois, George Miller resolveu comandar a continuação intitulada Babe - O Porquinho Atrapalhado na Cidade (1998). Bem menos inspirado que o original, no entanto, o longa recebeu críticas mistas, e não repetiu o bom rendimento nas bilheterias. 

Quando todos acreditavam que Miller tivesse sentido a má recepção do seu último longa, o realizador resolveu tirar um belo proveito do 'boom' do cinema de animação no expressivo 'Happy Feet - O Pinguim' (2006). Oito anos após o último Babe, o diretor voltou à ativa novamente num terreno praticamente inédito, conquistando o público e a crítica com a jornada de um pinguim que não sabia cantar. Buscando inspiração no documentário da BBC “Life in the Freezer”, que o motivou a tirar esta ideia original do papel, Miller recheou novamente esta fábula com uma série de temas mais elaborados e reflexivos, fazendo um trabalho acessível para as crianças e os adultos. Em entrevista ao USA Today, ele revelou que através do modo de vida destes animais encontrou um caminho para tecer um comentário social sobre a vida em comunidade. "Eu não tinha ideia de que criaturas extraordinárias eles eram. Foi uma chance de ver como indivíduos em uma comunidade não podem sobreviver sem depender um do outro.", garantiu Miller revelando ainda que só com o advento da animação computadorizada uma história como esta poderia ser contada. Embalado por hit's da música pop, 'Happy Feet - O Pinguim' não só fez um grande sucesso de público, faturou US$ 384 milhões em todo mundo, como também rendeu o único Oscar da carreira de Miller, que recebeu o prêmio de Melhor Animação. O êxito, logicamente, abriu espaço para uma inevitável sequência, que, mais uma vez dirigida pelo australiano, conseguiu modestos US$ 150 milhões em todo mundo.


Passeando pela ação, pela comédia, pelo drama, pela aventura e pela animação com a mesma competência, George Miller mostrou com os seus trabalhos as ferramentas que o levaram a produzir o fantástico 'Mad Max - Estrada da Fúria'. De volta à franquia que o consagrou com uma série de novas ideias, o experiente realizador australiano exibiu fôlego de sobra ao promover um insano e detalhista novo trabalho, transitando entre o melhor dos dois mundos ao explorar tanto as novas possibilidades do cinema digital, quanto à complexa praticidade do cinema 'old school'. Com disposição para rodar um longa em pleno deserto da Namíbia, Miller garante que o desgastante trabalho tem uma única e definitiva explicação: a busca pela realidade. "Meu objetivo em Estrada da Fúria foi sempre o realismo máximo: carros de verdade trombando e capotando de verdade, gente sendo jogada deles de verdade, atores dirigindo de verdade em paisagens cem por cento reais. Este não é um filme em que dublês fazem tudo e o cenário é acrescentado em computação gráfica. É ação autêntica com gente de carne e osso. O que você está vendo é o que está acontecendo. Fora um ou outro efeito digital usado, quando as condições de segurança eram extremas demais para que submetêssemos alguém ao risco, é tudo absolutamente real." garantiu George Miller em entrevista a Revista Veja. E este apreço pela realidade, diga-se de passagem, tem se se repetido dentro das suas histórias, que, mesmo geralmente fantásticas, encantam por dialogar com assuntos e discussões completamente inerentes a nossa sociedade. Afinal de contas, seja um anti-herói vingativo, seja um pinguim dançarino, seja um porquinho inconformado, seja um pai determinado, todos estes diferentes personagens acabam unidos por sua humanidade e pela forma clara com que se comunicam com nós espectadores. 

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