sexta-feira, 17 de abril de 2015

Chappie

Entre o infantil e o insano, longa encontra sua força na originalidade cartunesca de Blomkamp

Abrindo mão do discurso social dos seus dois primeiros longas, o aclamado Distrito 9 e o interessante Elysium, Neil Blomkamp faz de Chappie uma viagem surtada, colorida e problemática pelo universo da robótica. Se por um lado o diretor sul-africano mostra a sua criatividade ao compor um cenário absolutamente cartunesco, principalmente ao colocar um transloucado casal de criminosos como os mentores do inocente "robô criança", por outro o roteiro falha das mais diversas maneiras durante a primeira metade desta aventura, apostando as suas fichas num péssimo antagonista, em forçados melodramas e numa trama nitidamente requentada. Ainda assim, em meio a toda esta bagunça, é inegável que Chappie tem o seu charme, encontrando a sua força no empolgante último ato e nas magnéticas performances dos rappers da banda (propositalmente estranha) Die Antwoord. Pra ser bem sincero, o desempenho da dupla Ninja e Yo-Landi surpreende não só pelas duas competentes atuações, mas também pela colaboração na fantástica trilha sonora de Hans Zimmer (Interestelar).


Reconhecidos por seu estilo Rap-Rave, uma autodenominada mistura de ritmos e culturas, os líderes do Die Antwoord impressionam ao trazer uma aura especial ao argumento. Com o seu visual completamente excêntrico, com direito a armas coloridas e roupas extravagantes, os sul-africanos dão vida aos seus próprios alter egos musicais, combinando perfeitamente com a exótica estética do longa. Exalando química ao longo da bem ritmada história, a dupla se consolida como um dos principais acertos de Blomkamp, que não demonstrou a mesma perspicácia no oscilante roteiro. Optando desta vez por não ir a um futuro muito distante, o ano é 2016 e a África do Sul é acometida por uma grande onda de crimes. Em meio à brutalidade das gangues, a diretora de uma empresa de segurança (Sigourney Weaver) ganha status junto ao governo ao lançar uma série de robôs policiais. Criados pelo brilhante cientista Deon (Dev Patel), os ciborgues eram baratos, eficientes e logo diminuíram os índices de criminalidade. Fato que só contribuiu para a frustração de Vincent (Hugh Jackman), um engenheiro militar que investiu a sua verba na construção de num robô rejeitado. Impulsionado por sua criação, Deon desenvolve um sistema de inteligência artificial capaz de dar sentimentos humanos as máquinas. Disposto a testa-lo, o jovem acaba sequestrado por uma gangue. Obrigado a revelar o seu segredo, Deon dá então vida a Chappie (Sharlto Copley), uma criatura ávida por conhecimento que acaba caindo nas mãos desse casal de assaltantes. Enxergando nele uma possibilidade de enriquecimento, Ninja e Yo-Landi passam então a tentar educa-lo, mostrando que ele terá que deixar a ingenuidade de lado se quiser sobreviver na violenta Joanesburgo.


Deixando de lado algumas das questões mais genéricas envolvendo a existência artificial, é interessante ver como o corpo aqui não é o foco em questão, mas sim a consciência. Sem querer revelar muito, os clichês envolvendo a "síndrome de Pinóquio" passam longe da trama, já que Chappie em nenhum momento renega a sua condição robótica. Na verdade, o realizador sul-africano opta por se concentrar nos dilemas envolvendo a adaptação do inocente robô, questionando o comportamento humano ao coloca-lo em um ambiente imoral e violento. Ainda que Blomkamp atribua um peso desnecessário as cenas mais dramáticas, apesar de bela a sequência em que ele é "solto" na cidade é completamente apelativa, esse aprendizado ganha contornos cativantes no momento em que a máquina passa a ter como professores um casal de criminosos. Fugindo do lugar comum, o aprendizado marginal de Chappie rende momentos divertidos, assim como o linguajar malandro e a sua introdução ao mundo do crime. Nesse contexto, aliás, vale destacar a forma com que Ninja e o Americano (Jose Pablo Cantillo) tentam contornar a programação natural de Chappie - uma máquina criada para proteger - e ensina-lo a cometer alguns crimes. Além disso, através destes dois personagens nada unidimensionais, o diretor discute com habilidade não só as questões morais em torno desta "alfabetização", como também flerta consistentemente com temas mais profundos. Com destaque para os inteligentes diálogos envolvendo a vida e a morte, que, potencializados pela sutileza de Yo-Landi, preparam terreno para a corajosa reviravolta nas cenas finais.


Todo o acerto na relação do trio Chappie, Ninja e Yo-Landi, no entanto, é prejudicado pelas escolhas equivocadas do roteiro. A começar pelo terrível antagonista dado a Hugh Jackman. Num dos papeis mais contestáveis de sua carreira, o astro de X-Men é obrigado a encarar um tipo maniqueísta, com direito a um visual retrô e um mullet vergonhoso. Jackman até se esforça, mas o seu Vincent só funciona mesmo no eletrizante último ato. Um pouco menos problemático, o Deon de Dev Patel (Quem quer ser um Milionário) também não vai muito longe. Subaproveitado pelo roteiro, o "criador"de Chappie surge como a voz da moralidade, corre de um lado para o outro, mas a relação dos dois não ganha contornos mais densos. Uma pena, já que Patel se mostra bem e os momentos mais tensos entre os dois funcionam a contento. A lista de problemas, aliás, não para por ai, já que o desenvolvimento de Chappie também não é dos melhores. Enquanto Sharlto Copley (Malévola) impressiona ao emprestar sua voz e movimentos a esta criatura, compondo um robô com trejeito 'gangsta', mas com alma doce, o processo de amadurecimento do ciborgue se mostra acelerado. Num primeiro momento ele aprende a falar, logo depois já está atirando e num piscar de olhos passa a construir grandes computadores, tornando breve alguns dos momentos mais bem humorados do filme. Na verdade, por mais que o uso da internet seja uma explicação razoável, o fato é que essa rápida evolução soa excessivamente conveniente no desenrolar da trama.


Fazendo referência a alguns dos mais populares longas do gênero, Chappie segue um caminho inusitado ao se inspirar na atmosfera suja e violenta de Robocop (1987) e no clima leve e infantilizado de Um Robô em Curto Circuito (1986). Encontrando no apuro visual uma forma de dar corpo a um claudicante roteiro, a equipe de produção demonstra um capricho muito grande também na composição de Chappie, que, aqui, ganha vida através do CGI. Com uma mobilidade poucas vezes vistas no gênero, a carismática presença estética do robô se revela um dos maiores trunfos do longa, funcionando não só nos momentos mais agitados, como também nas sequências mais sutis. Melhores ainda, aliás, são as impactantes cenas de ação, que, sem dúvidas, ditam o tom do empolgante último ato. Em outras palavras, ao tomar as rédeas de seu próprio filme, que, até o terço final, se mostrava uma viagem futurista cheia de altos e baixos, Neil Blomkamp flerta no clímax, ainda que por poucos instantes, com a originalidade do seu principal trabalho, dando à Chappie uma conclusão curiosamente ousada, e ao espectador a oportunidade de vibrar com um desfecho satisfatoriamente esperto.

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