Violento, surtado e bem humorado, longa se diverte com os clássicos filmes de espionagem
Responsável pelas elogiadas adaptações de Kick-Ass e X-Men: Primeira Classe, o diretor Matthew Vaughn mostra novamente a sua habilidade ao levar histórias em quadrinhos para as telonas no insano e violento Kingsman: Serviço Secreto. Promovendo uma empolgante e divertida sátira envolvendo os clássicos filmes de espionagem, com direito a uma série de referências que só um verdadeiro fã poderia se apropriar, o realizador esbanja categoria ao nos conduzir por um daqueles trabalhos que felizmente não se levam a sério. Contrapondo a elegância britânica do impoluto agente vivido por Colin Firth (O Discurso do Rei), com a informalidade do excêntrico vilão vivido por Samuel L.Jackson (Os Vingadores), Vaughn se esforça para ir além das "brincadeiras" com os clichês do gênero, recheando a trama não só com um humor afiado e impressionantes sequências de ação, mas também com interessantes críticas e um (sútil) tom anárquico tipicamente inglês.
Um dos responsáveis pela criação do personagem principal da HQ assinada por Mark Millar e David Gibbons, Mathew Vaughn é extremamente cuidadoso na adaptação desta inusitada trama. Idealizador desta homenagem à ícones como James Bond (007) e Maxwell Smart (Agente 86), o realizador abre mão da seriedade presente na nova safra dos filmes de espionagem, demonstrando inspiração ao dialogar com as fórmulas que construíram este escapista gênero. Em meio a agentes charmosos, esconderijos secretos e armas mirabolantes, conhecemos então o letal Galahad (Firth), um espião classudo que acaba salvo por um jovem recruta durante uma missão. Carregando o peso da morte do rapaz, o agente resolve ajudar a viúva e o seu filho, o pequeno Eggsy, mas ela recusa qualquer apoio. O tempo passa e 15 anos depois a vida do garoto virou uma bagunça. Entre pequenos delitos e a falta de comprometimento com a sua vida, Eggsy (Egerton) resolve recorrer a Galahad após ser preso por roubo de carro. Enxergando nele o talento necessário para se tornar um recruta da Kingsman, uma organização secreta não governamental que se dedicou a zelar pela paz mundial, o espião decide aponta-lo como o seu candidato a uma das vagas na agência secreta. Durante o treinamento, no entanto, Galahad terá de desvendar os nefastos planos de Valentine (Jackson), um bilionário da informática disposto a exterminar parte da população para "livrar" a Terra da falta de recursos naturais.
Demonstrando um preciso senso de humor ao brincar com o absurdo desta premissa, Vaughn é brilhante ao encontrar certo frescor em meio à fórmulas tão utilizadas. Enquanto a nova geração dos filmes de espionagem está cada vez mais realistas, até o novo James Bond se rendeu ao tom sério, o realizador nada contra a corrente ao nos apresentar um universo repleto de traquinagens modernas, de sequências de ação completamente inverossímeis e de personagens visualmente caricatos. Explorando este tom satírico ao rir dos clichês do gênero, num determinado momento os próprios personagens brincam com as nossas expectativas dentro do longa, o roteiro assinado por Vaugh e Jane Goldman ganha contornos surpreendentes ao se aproveitar desta descontraída aparência para destilar o seu veneno em questionamentos ora escrachados, como na "explosiva" sequência com figurões da política, ora sutis, como na potente crítica ao próprio governo britânico. Na verdade, se num primeiro momento a magnética jornada de treinamento de Eggsy parece tipicamente teen, com direito a dilemas leves e a rivalidade entre os jovens, o roteiro pouco a pouco vai crescendo rumo a uma chocante, ultra violenta e desconcertante sequência envolvendo Galahad e um grupo de extremistas religiosos. Sem querer revelar muito, esta cena representa uma quebra de ritmo impactante para a trama, que a partir daí passa a promover um anárquico e estiloso duelo entre classes.
Mesmo sem perder a veia cômica, presente em todo o envolvente roteiro, Vaughn é especialmente habilidoso ao dar um pouco mais de seriedade às maléficas intensões do exótico Valentine. Avesso a violência e ao contato com sangue, este bilionário das telecomunicações decide, por mais contraditório que pareça, colocar fim a maior parte da população para "salvar" o mundo. Para isso, o megalomaníaco cria um chip para libertar o lado mais primitivo dos seres humanos, iniciando assim uma onda de mortes e violência gratuita com o aval dos mais ricos. Através desta surtada premissa, o realizador é brilhante ao direcionar a sua mira para os grandes governos, questionando com contundência a inércia (ou porque não a participação) dos poderosos diante das agruras sofridas pelas classes mais baixas. Méritos que, necessariamente, precisam ser divididos com Samuel L. Jackson, irreverente ao extremo na construção do afetado Valetine. Empurrado pelo excêntrico desempenho de Jackson, o realizador constrói um daqueles loucos antagonistas dignos dos grandes filmes da franquia 007, se tornando o pivô dos momentos mais surpreendentes do longa. O mesmo, aliás, podemos dizer do fantástico desempenho de Colin Firth. Por mais que o seu Galahad flerte com alguns elementos dos seus últimos trabalhos, carregando uma postura nobre e uma nítida frieza, o letal espião se mostra um personagem completamente fora da sua zona de conforto, obrigando o ator a ter um invejável desempenho físico.
Demonstrando ótima química com o estreante em blockbusters Taron Egerton, Firth impressiona não só pelas alucinantes sequências de ação, com direito a um plano sequência realmente avassalador, como também pelo impecável tempo de humor. Assim como o experiente ator britânico, Egerton entrega um desempenho extremamente digno. Exalando carisma ao construir uma espécie de James Bond adolescente, o jovem se destaca tanto nas sequências de ação, como na construção deste tipo rebelde e autoconfiante que reluta em seguir as regras de etiqueta dos nobres espiões. O mais legal, no entanto, é que em meio a tantos papéis masculinos importantes, o roteiro abre um justificado espaço para personagens femininas. Se na franquia 007 a maioria das mulheres era subaproveitada pela trama, vide as sexistas "Bond Girl", Vaughn decide destacar a força feminina através de duas personagens interessantes. Do lado dos mocinhos temos a competente e culta Roxy (Sophie Cookson), uma determinada recruta que parece ser a única a aceitar Eggsy como igual. Já do lado vilanesco temos a assassina Gazzelle (Sofia Boutella), o "homem de confiança" de Valentine com suas afiadas próteses de perna e a sua agilidade como assassina profissional. Duas mulheres que, merecidamente, roubam a cena de nomes como Michael Caine, correto como o chefe da Kingsman, Mark Hammil e Mark Strong, impecável no elétrico clímax.
Dando uma verdadeira aula na criação das empolgantes sequências de ação, coreografadas com rara categoria e rodadas com precisão cirúrgica, Mathew Vaughn mostra em Kingsman: Serviço Secreto toda a sua perícia técnica ao trabalhar com a velocidade das cenas, indo da câmera lenta aos takes mais acelerados com extrema habilidade. Ainda que acabe pecando pelo excesso, a violência estilizada flerta exageradamente com o bizarro em poucos momentos, Vaughn se sai muito bem nesta arriscada tentativa de rir dos filmes de espionagem, abraçando sem pudor alguns dos principais clichês deste clássico gênero. Apostando numa atmosfera extremamente pop, com direito à trilha sonora oitentista, edição acelerada, visual colorido e nas referências a filmes e séries, o realizador é certeiro ao não só conseguir se manter fiel ao descompromisso insano do seu argumento, mas também ao ir muito além do mero clima de paródia que muitos acreditavam encontrar. E numa época em que os estúdios parecem ávidos por consolidar suas franquias, como é bom ver um longa com início, meio e fim.
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