No rastro do sucesso de A Culpa é das Estrelas, que em sua versão cinematográfica faturou mais de US$ 293 milhões em todo mundo, Se eu Ficar chega aos cinemas não se contentando em permanecer à sombra da adaptação do best-seller escrito por John Green. Apesar de dialogar com o mesmo público, o longa dirigido por R.J. Cutler (The World According Dick Cheney) opta por seguir um caminho mais denso ao levar para as telonas o drama juvenil baseado na obra homônima de Gayle Forman. Discutindo com habilidade os dilemas envolvendo a chegada da vida adulta, a película só ganha uma ar realmente diferenciado graças ao talento da cada vez mais madura Chloe Moretz (Kick-Ass), ao eclético cenário musical e aos diálogos acima da média.
Evitando se apoiar no tom melodramático, que só ganha força no oscilante último ato, a adaptação assinada por Shauna Cross (O que esperar quando você está Esperando) surpreende por tentar dar uma atmosfera reflexiva à trágica história de Mia. Deixando em segundo plano o aspecto espiritual\religioso que as prévias poderiam sugerir, o roteiro demonstra maturidade ao apresentar as dúvidas e incertezas envolvendo não só a transição da adolescência para a vida adulta, como também os dilemas sobre a dor da perda, seja de um namorado, seja de uma oportunidade, seja de uma vida. Marcada pela narrativa não linear, repleta de flashbacks, a trama nos apresenta a história da violoncelista prodígio Mia Hall (Chloe Moretz). Uma jovem que, após um catastrófico acidente de carro, é internada as pressas, ficando entre a vida e a morte. Vagando espiritualmente durante o coma, ela passa a lembrar da relação com os pais roqueiros (Joshua Leonard e Mireille Enos), com o irmão caçula fã de Iggy Pop (Jakob Davies), com a melhor amiga (Liana Liberato) e refletir sobre o namoro com o promissor roqueiro Adam (Jamie Blackley). Enquanto acompanha o destino de seus familiares, divagando sobre o seu passado, presente e o futuro, Mia tenta encontrar motivos para lutar pela vida após essa grande tragédia.
Colocando a versátil atmosfera musical em primeiro plano, R.J. Cutler usa a sua experiência na série Nashville (sobre os bastidores da música Country) para conduzir as envolventes apresentações do longa. Apostando no tom eclético, que vai de Bethoveen ao Punk Rock de formal invejável, o realizador nos embala com cenas tocantes, que não só colocam em contraste as diferenças dos personagens, como também ressaltam a conexão deles através da música. O aspecto inusitado envolvendo a vocação clássica de Mia, em meio ao lado roqueiro de sua família, é igualmente bem explorado, assim como os dilemas do futuro do casal diante das suas respectivas carreiras. Apostando numa série de criteriosas referências musicais, o inspirado repertório acaba atribuindo uma impressão extremamente original ao longa. Méritos para o brasileiro Heitor Pereira (Meu Malvado Favorito 2), responsável pela impecável trilha-sonora.
Sem banalizar os sentimentos dos personagens, o roteiro é habilidoso ao conduzir os momentos mais densos, dando um toque natural à relação entre Mia, Adam e a divertida família Hall. Os anseios dos jovens são explorados de forma precisa, com direito a diálogos afiados e uma contida abordagem emocional. Por mais que os pais da musicista sejam realmente cativantes e bem humorados, boas atuações de Joshua Leonard e Mireille Enos, a relação entre eles e a filha é desenvolvida de forma intensa, embalada não só pela troca de experiências musicais, mas, principalmente, pelas interessantes lições sobre a vida adulta. Essa atmosfera, no entanto, é freada pela falta de cuidado de Cutler na condução dos flashbacks. Optando por contrastar o passado de Mia com a sua trágica realidade, as idas e vindas da trama perdem impacto pela falta de suavidade na transição entre os gêneros. Indo bruscamente da alegria para a tristeza, do romance para o litígio, o realizador dá uma descartável carregada em alguns momentos, quebrando o ritmo de boas cenas. O maior pecado, no entanto, fica pela falta de ousadia no grande clímax. Usando e abusando dos melodramas, com direito a genérica tentativa de se concentrar no espiritual, no melhor estilo siga a luz, o diretor desperdiça uma grande oportunidade de fugir do lugar comum.
Pequenos equívocos amenizados pelo talentoso elenco, com destaque máximo para a expressiva Chloe Moretz. Acostumada a papéis mais excêntricos, como a assassina Hit-Girl de Kick-Ass, a vampira mirim de Deixe-me Entrar, ou a paranormal do novo Carrie - A Estranha, a atriz de 17 anos comprova que pode viver personagens "normais". Transmitindo uma grande maturidade em cena, ela passa naturalmente por uma série de fases de Mia. Situações que, diga-se de passagem, já devem ter rondado a cabeça da igualmente prodígio Chloe Grace Moretz. Encarando as várias etapas da adolescência com a mesma intensidade, a atriz convence não só como a jovem certinha e insegura do início do longa, mas também como a adolescente apaixonada do segundo ato ou a determinada violoncelista disposta a se arriscar pela música. Além disso, a atriz demonstra uma eficiente química com Jamie Blackley (O Quinto Poder), bastante crível como o candidato a rockstar Adam. Ainda sobre o equilibrado elenco, Liana Liberato (Confiar) se mostra muito a vontade como a melhor amiga e conselheira Kim, e o experiente Stacy Keach (Nebraska) rouba a cena como o zeloso e dedicado avô.
Não se contentando em ser mais um dentro do gênero, Se eu Ficar acerta ao não tentar simplesmente agradar aos fãs do sucesso A Culpa é das Estrelas. Por mais que os dois sejam ligados por temas semelhantes, o amor abalado em virtude da saúde, este drama opta por seguir um caminho mais pertinente aos dilemas da juventude atual. Ainda que aposte nas típicas concessões apaixonadas do gênero, as boas atuações, os eficientes diálogos, e a inesperada vocação musical tornam o longa uma opção bastante agradável não só para as adolescentes de plantão, como também para os espectadores mais experientes.
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