quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Fugindo do Hype | O Homem Invisível

Violência visível e reconhecível

Mais do que atualizar um clássico com genialidade, O Homem Invisível alia a construção temática à visual como há muito não se via no segmento. Um triunfo do cinema de horror moderno marcado não só pelo potente comentário social, mas pela magnífica execução. O que o diretor Leigh Whannel faz aqui é impressionante. Estamos diante de uma obra capaz de explorar todo o potencial de um gênero. Ao trazer o elemento fantástico para o mundo real, o cineasta catalisa a tensão a partir da identificação. 

Sem dizer uma só palavra, O Homem Invisível causa uma angústia inimaginável. Logo na antológica cena de abertura, o longa estabelece a sua natureza crítica. Basta ver a meticulosidade da personagem de Elisabeth Moss numa até então inexplicada fuga para percebermos o perigo. A violência doméstica é um mal real. Ao olharmos para ela notamos o desespero, a ansiedade, o medo e a vulnerabilidade. Impulsionado pela magnífica performance de Moss, Whannel constrói em quinze minutos a ameaça, a tensão em torno deste delicado tema e o sentimento que rege a obra. Um turbilhão de emoções que, no que diz respeito ao estudo dos traumas gerados por um relacionamento abusivo, é desenvolvido com absoluta propriedade. O roteiro em momento algum se torna refém do "fantástico". A realidade é por si só dura, dilacerante e ameaçadora.

Quem é fã do cinema de horror sabe como o gênero tende a desacreditar as suas protagonistas. Até que alguém confie nelas o estrago já foi feito. Aqui, porém, este clichê faz todo o sentido. Quantas mulheres não foram vítimas da descrença policial? Da inércia diante de uma clara ameaça? Como se não bastasse a presença do abusivo vilão, Leigh Whannel é sagaz ao usar a rotina a favor do desenvolvimento\manutenção da tensão. É fácil culpar a mulher. É fácil tratá-la como louca ou desequilibrada. O difícil é conviver com as sequelas destas imposições. O cineasta contorna os pequenos furos do roteiro, a maioria deles envolvendo a inerte figura do policial vivido pelo carismático Aldis Hodge, ao enxergar a ausência do "estado" como parte do problema. O que torna o processo de deterioração emocional dela totalmente verossímil. As ações e reações de Cecile são sustentadas por um roteiro consciente do estrago que tudo isso pode causar.

É inegável, porém, que parte da inacreditável atmosfera tensão nasce do virtuosismo técnico de Leigh Whannel. A partir de uma sacada criativa, uma modernização do plot que ajuda a “humanizar” a ameaça (a violência, aqui, não é parte de uma contraindicação), o diretor é inteligente ao construir a ação a partir do que não podemos ver. O cineasta foca na reação da personagem. O desespero nasce não só dos planos fechados no expressivo rosto de Elisabeth Moss, mas da impotência dela diante dos caprichados efeitos visuais. A ação é fluída. A ameaça latente. A montagem engenhosa. A cena do hospital é uma aula de suspense. Com um roteiro sólido, uma protagonista brilhantemente escrita e uma visão própria sobre horror moderno, O Homem Invisível elimina o fantástico à medida que torna tudo o mais real possível. Tal qual uma relação abusiva, um filme que sufoca do primeiro ao último minuto de projeção.

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