sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Jim e Andy: The Great Beyond

Carrey mostra o seu inusitado "método" num documentário que dá ao público a possibilidade de ver a mágica acontecer

Durante as filmagens de O Mundo de Andy, cinebiografia do celebrado Andy Kaufman, Jim Carrey recrutou a namorada do saudoso comediante, Lynne Margulies, e o seu melhor amigo, Bob Zmuda, para registrar os bastidores desta excêntrica produção. O resultado é Jim and Andy: The Great Beyond, um projeto que, após quase duas décadas engavetado, pinta um retrato ainda mais íntimo sobre o 'modus operandi' de Kaufman e o surtado trabalho de Carrey para traduzir a essência do provocador humorista. 

Trazendo à luz uma série de fantásticas imagens de arquivos, costuradas aos depoimentos do ator pela enérgica montagem, o longa dirigido por Chris Smith é perspicaz ao traçar um inspirado paralelo entre os dois comediantes. Entre profundas divagações existenciais e relatos impressionantemente verídicos, Carrey espanta ao revelar o seu processo de imersão no personagem, ao expor a sua obsessiva dedicação à construção do biografado. Num primeiro momento, Jim e Andy fascina ao mostrar como funciona o tão comentado método, um estilo de atuação em que o protagonista praticamente se transforma numa outra pessoa. Apesar das inegáveis diferenças físicas entre os dois, Carrey verdadeiramente vira Kaufman, assume os seus trejeitos, a sua excentricidade e o seu comportamento arredio. Durante as filmagens, inclusive, é possível sentir o misto de encantamento e desconforto daqueles que já haviam contracenado com o humorista, entre eles Danny DeVitto, Judd Hirsch e o próprio Zmuda. A sensação de caos controlado toma conta do set. Jim some, Andy assume. Ele simplesmente não se desliga de Kaufman, um trabalho esquizofrênico e nitidamente perigoso que rendeu uma série de bizarras situações e alguns comoventes encontros. 


The Great Beyond, entretanto, não é somente um documentário sobre os bastidores de O Mundo de Andy. Na verdade, Chris Smith mostra sensibilidade ao usar o desempenho de Carrey como o ponto de partida para um estudo de personagem bem mais profundo do que o concretizado pelo filme. Ao longo da película enxergamos melhor a genialidade de Kaufman, a sua veia provocadora e a sua maneira de encarar a comédia. Mesmo sem um depoimento sequer de documentado, conhecemos um pouco mais sobre ele ao perceber a reação dos seus amigos diante da transformada figura de Carrey. Após um estranhamento inicial, a maioria dos envolvidos no projeto “compra” o inusitado trabalho do ator, passa a assumir a presença de Kaufman como possível, resultando em momentos genuinamente comoventes. O episódio em que o experiente DeVitto, após a realização de uma cena naturalmente dolorosa, conduz um fragilizado Carrey até a sua cadeira sintetiza essa "entrega" de todos no set. Nas entrelinhas, porém, é interessante ver como o astro de Ace Ventura (1994) "fala" através de Kaufman\Tony Clifton e expõe os seus próprios medos e o seu egocentrismo. Quase vinte anos depois, Carrey não foge da raia ao se aprofundar nestes temas durante uma inusitada entrevista, realçando os contrastes entre o velho e o novo Jim ao analisar a sua trajetória sob uma perspectiva mais madura e reflexiva. 


Além disso, ele se esforça para tentar explicar tanto o impacto desta inusitada experiência na sua vida, quanto a influência de Andy Kaufman no seu trabalho, reforçando o aspecto mais transcendental da situação ao extrair um grande filme de outro grande filme. Denso, íntimo e naturalmente engraçado, Jim and Andy reverencia a completa (e exaustiva) dedicação de dois comediantes à sua arte num projeto que dá ao público a possibilidade de ver a mágica acontecer. 

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