Sci-Fi distópico da Netflix desperdiça o seu próprio potencial num roteiro que se contenta com pouco
Uma espécie de "primo distante" da série Orphan Black, Onde Está Segunda? mostra o quão tênue é a linha entre o sucesso e o fracasso. Embora não se situe em nenhum destes dois polos, o mais novo filme original da Netflix é a prova de como uma ótima ideia pode se perder numa obra recheada de falhas de execução. Com uma premissa instigante e naturalmente questionadora em mãos, o diretor Tommy Wirkola (Zumbis na Neve) se esforça ao extrair o máximo de tensão do texto, ao criar um cenário totalitário em que o direito de viver foi "tomado" pelo Estado, mas vê o seu mais novo trabalho ficar limitado por um roteiro que em nenhum momento consegue explorar o tema proposto em sua máxima potência. Indo de encontro ao último grande lançamento da companhia, o fantástico Okja, uma fábula política capaz de equilibrar entretenimento e crítica social com enorme brilhantismo, o longa estrelado por uma multifacetada Noomi Rapace (Prometheus) prefere seguir o caminho mais fácil, esvaziando uma série de intrigantes discussões políticas em prol da construção de um suspense de ação bem mais simples do que o esperado. Por mais que as suas virtudes sejam maiores que os seus pecados, Onde está Segunda? se revela o tipo de produção que se contenta com pouco, um filme com ingredientes sólidos, um arco familiar envolvente, uma promissora visão de futuro, mas que sequer tenta propor algum tipo de reflexão acerca da nossa existência num ambiente desigual e nitidamente saturado. E esse talvez seja um contratempo mais incômodo do que qualquer conveniência narrativa. O resultado, no final da contas, é "apenas" um passatempo eficaz, uma obra recheada de predicados técnicos que, ao menos, se insurge contra as correntes políticas mais extremistas.
Com roteiro assinado pelos inexperientes Max Botkin (Robossapien) e Kerry Williamson (A Sombra do Inimigo), Onde Está Segunda? vacila no momento em que não consegue encontrar um meio termo entre o Sci-Fi e a ação. Num primeiro momento, Tommy Wirkola é cuidadoso ao estabelecer este cenário futurístico em que a superpopulação e a falta de recursos naturais levaram a Europa a limitar o nascimento de crianças. Sob o regime totalitário da temida Nicolette Cayman (Glenn Close, intensa), cada família poderia ter apenas um filho, sendo que, caso um irmão nascesse, esse seria entregue ao Estado e congelado numa câmera criogênica até que o equilíbrio fosse restabelecido. Ao longo do excelente primeiro ato, o realizador norueguês consegue não só situar o espectador sobre os motivos por trás de tal postura governamental, como também introduzir o drama do zeloso Terrence Settman (Williem Daffoe, numa luxuosa participação especial), um homem corajoso que resolveu ludibriar o Sistema ao esconder a existência das suas sete netas. Com um afiado poder de síntese, Wirkola é engenhoso ao apresentar esta visão de futuro, reforçando os contrastes ao se concentrar em elementos como o aspecto 'hi-tech', a elevada densidade demográfica e a opressiva presença do Estado. Somado a isso, o diretor esbanja intimismo ao apresentar a rotina das gêmeas Segunda, Terça, Quarta, Quinta, Sexta, Sábado e Domingo (Noomi Rapace), sete irmãs que, para não serem encontradas pelo "radar" do governo, resolveram assumir a identidade de uma única pessoa, a elegante Karen Settman. Num inventivo jogo de câmeras, combinado com recursos como o uso do CGI e dos tradicionais efeitos práticos, Wirkola surpreende ao criar um desenvolto 'mise en scene', permitindo que a interação entre as sétuplas soe fluída e completamente crível. Por diversas vezes, inclusive, ele não se faz de rogado ao reuni-las num mesmo quadro, criando takes realmente atraentes aos olhos do público. O que falar, por exemplo, da desconfortável cena em que o avô, após o ato impensado de uma delas, precisa mostrar para as meninas o quão dolorosos podem ser os seus erros nesta castradora sociedade. Uma sequência angustiante que remete ao passado 'gore' do diretor.
No momento em que os conflitos tomam contam da tela, no entanto, o promissor pano de fundo Sci-Fi é sumariamente esquecido, expondo a falta de ambição do roteiro e os seus inúmeros deslizes narrativos. Por mais que o longa não fuja da raia ao combater esta visão de Estado extremista e reguladora, uma opção que, por si só, merece elogios, principalmente por dialogar com o perigoso contexto político atual, Tommy Wirkola peca ao não se debruçar sobre o cerne da questão. Disposto a se concentrar no aspecto micro, no caso as desventuras das irmãs Settman após o sumiço de uma delas, o realizador reduz o potencial da película ao subaproveitar o forte pano de fundo crítico, tratando temas como a desigualdade social, o esgotamento dos recursos naturais e a negligência do governo com enorme descuido. Em outras palavras, sobram cenas de ação, falta profundidade. Um deslize que, aliás, se repete também no desenvolvimento da identidade das séptulas. Impecável ao estabelecer a situação das irmãs neste regime opressor, o roteiro falha ao trabalha-las enquanto figuras individuais, se escorando em diálogos expositivos e em soluções visuais na tentativa de diferencia-las.
Certeiro ao realçar os conflitos de personalidade entre elas, Wirkola custa a estreitar a conexão entre o público e as personagens, o que se torna um obstáculo dentro do conflitante segundo ato. Sem querer revelar muito, enquanto a 'bad-ass' Quarta, a raivosa Quinta e a inteligente Sexta roubam a cena com naturalidade, a cerebral Segunda, a inocente Terça, a otimista Domingo e a sexy Sábado ficam exageradamente presas aos seus arquétipos, reduzindo o peso de algumas das nervosas e contundentes sequências de ação. Outro ponto que incomoda é o apreço do roteiro pelas soluções convenientes. Embora acerte ao construir o clima de tensão\suspense em torno da intrigante jornada das protagonistas, o diretor norueguês sustenta a sua trama em soluções frágeis e\ou contraditórias, confiando na nossa suspensão da descrença ao pedir que acreditemos, dentre outras coisas, que o governo não teria condições de resolver esse "problema" de uma forma mais objetiva. Ou seja, o êxito de Onde Está Segunda? depende excessivamente da boa vontade do público, o que, no meu caso, não foi um grande empecilho, já que Wirkola recompensa ao traduzir as desventuras das irmãs Settman num filme enérgico e tecnicamente impactante.
Certeiro ao realçar os conflitos de personalidade entre elas, Wirkola custa a estreitar a conexão entre o público e as personagens, o que se torna um obstáculo dentro do conflitante segundo ato. Sem querer revelar muito, enquanto a 'bad-ass' Quarta, a raivosa Quinta e a inteligente Sexta roubam a cena com naturalidade, a cerebral Segunda, a inocente Terça, a otimista Domingo e a sexy Sábado ficam exageradamente presas aos seus arquétipos, reduzindo o peso de algumas das nervosas e contundentes sequências de ação. Outro ponto que incomoda é o apreço do roteiro pelas soluções convenientes. Embora acerte ao construir o clima de tensão\suspense em torno da intrigante jornada das protagonistas, o diretor norueguês sustenta a sua trama em soluções frágeis e\ou contraditórias, confiando na nossa suspensão da descrença ao pedir que acreditemos, dentre outras coisas, que o governo não teria condições de resolver esse "problema" de uma forma mais objetiva. Ou seja, o êxito de Onde Está Segunda? depende excessivamente da boa vontade do público, o que, no meu caso, não foi um grande empecilho, já que Wirkola recompensa ao traduzir as desventuras das irmãs Settman num filme enérgico e tecnicamente impactante.
Contando ainda com um subaproveitado 'plot twist', uma reviravolta densa que merecia um desenvolvimento mais refinado, Onde Está Segunda? peca pela falta de ousadia ao tratar uma complexa premissa sob um prisma simplório e mais voltado para o escapismo do cinema de ação. Impulsionado pela dedicada atuação da talentosa Noomi Rapace, que, mesmo diante do raso texto, consegue realçar a personalidade de cada uma das sete irmãs, Tommy Wirkola compensa os evidentes problemas narrativos ao investir numa película com pulso visual, um relato visceral sobre um futuro distópico que não nos soa tão estranho assim.
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