terça-feira, 23 de agosto de 2016

Do Fundo do Baú (Louca Obsessão)

Inspirado num das mais celebradas obras do escritor Stephen King, Louca Obsessão encontra numa instável fã o terreno fértil para a construção de uma das mais memoráveis antagonistas da história recente do cinema. Dirigido pelo versátil Rob Reiner (Conta Comigo, A Princesa Prometida), o longa cumpre a sua missão no que diz respeito a construção da atmosfera de tensão, potencializada pela primorosa atuação de Kathy Bates, pela sufocante premissa e pela invejável dose de sarcasmo contida neste inspirado suspense.

Uma produção com a cara dos anos noventa, mas com alma oitentista, Louca Obsessão esbanja acidez ao acompanhar a dolorosa relação entre uma possessiva fã e um popular escritor de uma série literária. Com a difícil missão de dar corpo a obra de Stephen King, o roteirista William Goldman brilha ao realçar o aspecto mais angustiante e cínico do texto deste mestre do suspense. Na trama, após terminar a sua nova obra em uma remota cidadezinha, o romancista Paul Sheldon (James Caan) é pego de surpresa por uma tempestade de neve e sofre um acidente. Desacordado e sem ter a quem recorrer, ele é salvo por Annie (Kathy Bates), uma ardorosa fã que "coincidentemente" estava passando pelo local da batida. Inicialmente zelosa e prestativa, a ex-enfermeira se transforma numa perigosa ameaça quando descobre que o Paul iria a matar a sua personagem predileta no próximo livro. Acuado e com as duas pernas fraturadas, o escritor se vê obrigado a escrever uma nova obra e a conviver com a instabilidade da sua "anfitriã". 


Tenso e irônico, Louca Obsessão arranca uma sucessão de arrepios ao nos apresentar a angustiante relação entre fã e escritor. Sem tempo a perder, Rob Reiner substitui o clima de mistério por uma abordagem mais gráfica e desconfortável, criando um 'mise en scene' capaz de provocar raiva, dor (em doses elevadas), medo, impotência e inesperadas risadas. Sim, apesar do angustiante conflito entre os dois, o realizador consegue extrair o humor por trás desta inusitada situação, principalmente quando se volta para a inusitada interação entre Annie e Paul e para a investigação liderada pelo veterano xerife Buster (Richard Farnsworth, excelente). É realmente no suspense, porém, que o longa se torna memorável. Impulsionado pela estupenda atuação de Kathy Bates, impecável ao traduzir a frieza, os rompantes de fúria e a oscilação emocional da antagonista, Reiner transforma a fã numa vilã odiosa e assustadora. Com enquadramentos expressivos e movimentos de câmera reveladores, o diretor não só amplia a atmosfera de tensão em torno da trama, como também ressalta a submissão do escritor diante desta instável antagonista, criando um jogo de gato e rato imprevisível, instigante e esteticamente louvável. 


E se Kathy Bates absorve com rara intensidade a psicopatia da sua Annie, James Caan se esquiva dos clichês aos criar um Paul indolente e inteligente. Com um personagem tão rico em mãos, um tipo capaz de jogar com as suas melhores armas mesmo nos momentos mais dolorosos, o ator norte-americano mostra a sua reconhecida categoria ao criar uma vítima ora amedrontada, ora manipuladora. Méritos que, diga-se de passagem, precisam ser divididos com o excelente argumento, impecável ao desenvolver esta explosiva e destrutiva relação. Trazendo ainda uma detalhista direção de arte e uma arrepiante trilha sonora, Louca Obsessão é um suspense que envelheceu muitíssimo bem. Sem medo de errar, uma das melhores adaptações envolvendo as obras do cultuado Stephen King. 

2 comentários:

Hugo disse...

O grande destaque é assustadora Kathy Bates.

Abraço

thicarvalho disse...

Acho que o filme vai bem além da atuação dela Hugo. Realmente, Bates deu corpo a uma das mais memoráveis antagonistas da história recente do cinema. Mas a direção é afiada, o senso de humor do roteiro é incrível e a atuação de James Caan é absurda. Poucas vezes vi um personagem transitar tão bem da fragilidade para a segurança. Em suma, um suspense de rara qualidade. Abs.