terça-feira, 14 de abril de 2015

O Ano mais Violento

Integridade x Ambição

Utilizando como pano de fundo um dos momentos mais nocivos da história recente dos EUA, onde a criminalidade atingiu índices elevados nas grandes cidades, O Ano mais Violento é brilhante ao discutir as questões morais por trás do tão cobiçado sonho americano. Dirigido pelo promissor J.C Chandor (Até o Fim), impecável ao explorar a tensão em torno da trama, o longa segue um caminho perspicaz ao mostrar a voracidade das grandes empresas sob o sufocante ponto de vista de um empreendedor avesso às ilegalidades. Embalado por uma elegante fotografia, que parece discretamente remeter aos mais clássicos filmes de máfia, este maduro drama policial encontra nas intensas atuações dos talentosos Oscar Isaacs e Jessica Chastain o estopim necessário para promover um vigoroso duelo entre a ambição e a integridade, manipulando habilmente as nossas expectativas em torno desta jornada sobre o poder do dinheiro. 

Apesar de não se tratar propriamente de um filme sobre mafiosos, pelo menos como nos acostumamos a ver, O Ano Mais Violento é refinado ao se aproveitar desta aura soturna para evidenciar o lado mais obscuro sobre os grandes negócios. Ainda que a dinâmica entre os personagens faça uma reverência aos clássicos como O Poderoso Chefão, já que acompanhamos as desventuras de um centralizador homem de negócios, temido pela concorrência, que faz do advogado (Albert Brooks) o seu braço direito, o longa tira um belo proveito destas similaridades para compor uma trama envolvente e absolutamente autoral. Com a violência em segundo plano, neste cenário a força que falava mais alto era a da corrupção, o argumento assinado pelo próprio Chandor mostra de maneira densa as consequências da incessante busca pela riqueza. Num ambiente formado pelos "herdeiros da máfia", por aqueles que "sobreviveram" a transição para o aparente mundo da legalidade, conhecemos então o honesto Abel Morales (Isaacs), um imigrante latino que prosperou ao apostar no 'estilo de vida americano'. Começando de baixo, ele fez fortuna ao comprar a transportadora de seu sogro, um ex-mafioso aposentado. Ao lado da esposa Anna (Chastain), Abel lutou para manter a sua imagem limpa, se distanciando ao máximo de qualquer ilegalidade. Durante a concretização de uma grande compra, no entanto, o empresário colocará em prova a sua ética ao enfrentar não só um promotor de justiça ávido para incrimina-lo (David Oyelowo), mas também a violenta onda de roubos contra os seus caminhões.


Explorando com perícia a gradativa pressão em torno de Abel, insustentável à medida que ele abre mão das soluções "fáceis", o realizador opta por um rumo nada previsível ao apostar numa relação de causa e consequência ao pintar este cenário de corrupção. Se visualmente a atmosfera ameaçadora do roteiro encontra sustentação na refinada ambientação oitentista, nos elegantes figurinos e na levemente envelhecida fotografia de Bradford Young (Selma), Chandor só amplia a nebulosidade em torno desta história ao fazê-la girar em torno de um tipo humano, repleto de virtudes, mas nada inocente. Através deste complexo personagem, o longa surpreende ao promover uma contundente crítica ao atual mundo dos negócios, utilizando a aparente integridade de Abel como um poderoso contraste ao aspecto mais nefasto do capitalismo. Tirando um belo proveito do pano de fundo relacionando ao crime organizado, o argumento é enfático ao destacar tanto a imoralidade por trás do enriquecimento à qualquer custo, como também ao questionar a necessidade de se abrir mão de certos valores na tentativa de alcançar o tão cobiçado sucesso. Tudo de maneira bem clara e objetiva. Somado a isso, o diretor não deixa escapar a possibilidade de contestar o sonho americano, utilizando com sagacidade a figura do audacioso Julian (Elyes Gabel). Sem querer revelar muito, o jovem latino acaba compondo uma competente subtrama, que serve como um contraponto ao mostrar as consequências de tamanha ganância na rotina de um cidadão comum.


Mais interessante, aliás, é o gélido protagonista vivido por Oscar Isaac. Fugindo dos clichês envolvendo os latinos, J.C Chandor é preciso ao não só conceber um personagem centrado e elegante, mas também ao desenvolvê-lo sem apelar para reviravoltas incompatíveis com a sua conduta. Pra ser bem direto, apesar da semelhança física com o inesquecível Michael Corleone, Abel Morales está longe de ser um peixinho dourado idealista prestes a ser sugado para um tanque de tubarões imorais. Empurrado pela estupenda atuação de Isaac, que de forma contida passa credibilidade ao passear pelas frustrações, revoltas e dúvidas do seu personagem, o argumento é habilidoso ao testar os limites éticos diante da possibilidade dele perder tudo o que construiu. O grande charme da trama, no entanto, fica para a relação do empreendedor com a independente Anna. Enquanto ele parece disposto a nadar contra a corrente, indo contra a todos para se manter incorruptível, ela traz no sangue os vestígios de um passado ligado à máfia, defendendo medidas drásticas e intempestivas tal qual um membro da família Corleone. Ampliando a espiral de ambição e moralidade em torno de Abel, a magnética Anna é o ponto mais prático deste casal, e ganha uma interpretação fantástica nas mãos de Jessica Chastain. Numa daquelas personagens que merecia maior espaço em cena, o que talvez seja um dos principais pecados do roteiro, a eloquente atriz constrói uma mulher vibrante, dúbia e influente, um tipo raro dentro do cinema atual.


Ainda que peque por pequenos problemas no clímax, onde alguns fatos parecem coincidir de maneira ligeiramente forçada, O Ano Mais Violento é um relato duro e nada condescendente sobre a inconsequente busca pelo poder. Tecnicamente rigoroso, J.C Chandor faz desta história de ambição um impactante drama humano, exaltando virtudes e defeitos completamente inerentes a qualquer ser humano. Desfilando a sua categoria através de expressivos enquadramentos e de soluções realmente originais, como a iluminação de algumas cenas ou o noticiário via rádio sobre a violenta rotina nova iorquina em 1981, este talentoso realizador parece querer fazer com que o espectador experimente um pouco das emoções vividas pelos protagonistas, nos convidando a participar do julgamento moral proposto pelo longa. Apesar do nítido respeito aos populares filmes de gangsteres, Chandor parece se inspirar somente na atraente ambientação de alguns dos clássicos do gênero, deixando claro que no seu vocabulário o termo máfia pode ganhar uma conotação bem mais abrangente e atualizada.

2 comentários:

Hugo disse...

Estou curioso, ainda não tive chance de conferir.

Abraço

thicarvalho disse...

Confesso que esse não me surpreendeu Hugo. Já esperava que fosse bom, e o resultado cumpriu todas as minhas expectativas. Grande abs e valeu pela visita.