Responsável por uma das produções mais cativantes deste ano de 2016, a
esnobada adaptação da Disney Meu Amigo, O Dragão, o promissor David Lowery
colocou o seu nome no mapa de Hollywood com maduro Amor Fora da Lei (2014). Com
uma direção elegante e um roteiro que valoriza o senso de humanidade, o realizador norte-americano apresenta uma silenciosa história de
amor e culpa, um longa sentimental que fascina ao dar contornos autorais a
dolorosa relação entre dois apaixonados criminosos. Por mais que o ritmo suave
possa incomodar os espectadores mais desavisados, Lowery esbanja sensibilidade
ao traduzir as emoções dos protagonistas, encontrando no talento da dupla Casey
Affleck e Rooney Mara o misto de melancolia, esperança e frustração necessários
para dar liga a esta intimista película.
Com argumento assinado pelo próprio David Lowery, Amor Fora da Lei foge
do lugar comum ao começar pelo ponto que justamente marca o desfecho destas
turbulentas histórias de amor: a prisão. Em duas ou três cenas, o realizador
estabelece a sincera conexão entre Bob (Affleck) e Ruth (Mara), um casal de
bandidos que levava uma vida de riscos no interior dos EUA na década de 1970.
Após uma série de pequenos delitos, os dois amantes são pegos de surpresa quando
um dos roubos não sai como o esperado. Encurralados pela policia, Bob resolve
assumir a autoria do assalto sozinho, dando a Ruth a possibilidade de se livrar
da prisão, já que ela estava grávida de um filho seu. Separados pelo crime,
enquanto ele decide tentar cumprir a sua pena, ela se vê obrigada a criar a sua
pequena filha sozinha, contando com a ajuda do misterioso ex-parceiro Skerrit
(Keith Carradine). Com o passar dos anos a solitária Ruth volta a acender a
chama deste amor adormecido quando recebe a notícia que Bob fugiu da prisão.
Ela, porém, não sabia que logo se tornaria o alvo do obstinado policial Patrick
Wheeler (Ben Foster), um homem discreto que nutria uma paixão quase platônica
pela mãe solteira.
Apesar do cenário naturalmente áspero, David Lowery mostra um invejável
requinte estético ao dar contornos sensíveis a esta madura história de amor.
Impulsionado pela reluzente fotografia de Bradford Young (A Chegada, O Ano mais
Violento), o realizador norte-americano é virtuoso ao realçar as belezas
naturais por trás de um ambiente embrutecido, dando uma aura quase poética a
uma trama sobre solidão, culpa e a dor da separação. Indo de encontro aos
principais títulos do gênero, incluindo o recente Refém da Paixão (2013),
Lowery é igualmente habilidoso ao construir a distante relação entre Ruth e
Bob. Embora contracenem juntos por apenas poucos minutos, a dupla Casey Affleck
e Rooney Mara nos faz enxergar o quão pura e sincera é a conexão entre os
protagonistas, uma relação valorizada pelos honestos diálogos, pelos gestos
delicados e pela química dos atores. Fazendo um primoroso uso do silêncio, que
pontua as comedidas sequências mais densas com inspiração, o diretor é
igualmente habilidoso ao traduzir o turbilhão emocional enfrentado pelos
protagonistas, que ganham corpo com imprevisibilidade e substância narrativa.
Com um talentoso elenco em mãos, David Lowery prefere se concentrar na
expressão dos atores, no poder das palavras não ditas, o que só amplia a
crescente dose de tensão em torno dos conflitos de Ruth e Bob. Como se não
bastassem os já delicados dilemas mais íntimos do casal, Patrick e Skerrit se
revelam dois personagens multidimensionais com motivações humanas que só
ampliam a distância entre os ex-criminosos. Sem querer revelar muito, é
interessante ver o cuidado do roteiro ao desenvolver a ligação da dupla com a
mãe solteira e a luta de ambos para assumir a lacuna masculina deixada por Bob.
Melhor ainda, aliás, é a singela relação de Ruth com a sua pequena filha, uma
personagem simples e infantil que coloca este impulsivo caso de amor sob uma
nova perspectiva. Por outro lado, na ânsia de criar um elo acessível entre os
namorados, o recurso da narração em off é utilizado com conveniência ao longo
da película, o que se torna um problema, principalmente, quando Bob deixa a
prisão. Até porque, neste contexto, a troca de cartas se torna uma solução
incoerente, já que (obviamente) um prisioneiro em fuga não tem endereço fixo.
Menos mal que, apesar destes pequenos deslizes, David Lowery compensa com uma
direção intimista, potencializada pelos requintados enquadramentos e pelos
habitáveis cenários. Quando necessário, inclusive, o realizador mostra
categoria ao construir algumas das abruptas sequências de ação, ampliando a
sensação de perigo em torno de Bob e Ruth.
No embalo da tocante trilha sonora folk de Daniel Hart (Meu Amigo, O
Dragão), Amor Fora da Lei é, em sua essência, um romance dramático sobre o
tempo perdido, uma obra pequena, de aparência dispensável, que ganha contornos
preciosos ao dialogar com sentimentos frequentemente esnobados dentro do
gênero. Na verdade, enquanto David Lowery eleva o patamar da película ao valorizar
o aspecto artístico por trás desta história de amor, o casal Casey Affleck e
Rooney Mara absorve com rara intensidade o sofrimento experimentado por Ruth e
Bob, o que torna o longa uma excelente pedida para os fãs de uma produção mais
madura.
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