sexta-feira, 20 de maio de 2016

X-Men: Apocalipse

Menos política, mais diversão

Na contramão dos dois últimos longas da franquia, o contextualizado Primeira Classe (2011) e o urgente Dias de um Futuro Esquecido (2014), X-Men: Apocalipse abdica do tradicional pano de fundo politizado ao investir numa abordagem mais irresponsável e espetaculosa. Ainda que nas entrelinhas a Guerra Fria esteja no radar dos roteiristas, o diretor Bryan Singer resolve apostar basicamente no potencial dos seus personagens, introduzindo a vigorosa nova geração de mutantes com absoluta categoria. Mesmo diante dos evidentes equívocos narrativos, a maioria deles envolvendo os confusos planos do antagonista e os pontuais problemas de tom, o realizador é habilidoso ao arquitetar as variadas subtramas, fazendo um excelente uso do talentoso elenco ao adicionar uma inovadora dose de escapismo à franquia. Na verdade, Singer surpreende ao valorizar pura e simplesmente a diversão, contornando a trivialidade da premissa ao dar prioridade as empolgantes sequências de ação e ao 'fan-service', sem abrir mão do drama e da tensão por trás desta épica batalha.



Funcional dentro da sua proposta descompromissada, o argumento assinado por Simon Kinkberg é sagaz ao explorar a imaturidade da nova geração de mutantes. Apesar das fortes presenças dos "mentores" Xavier (James McAvoy) e Magneto (Michael Fassbender), a continuação faz questão de colocar a garotada no olho do furacão, dando aos mutantes Ciclope (Tye Sheridan), Jean Grey (Sophie Turner) e Noturno (Kodi Smit-McPhee) um necessário protagonismo. Assim como no excelente Primeira Classe, o longa é cuidadoso ao apresentar os novos personagens, criando um vínculo natural com o público ao reproduzir os seus medos, inseguranças e as suas constantes descobertas envolvendo os seus próprios poderes. Além disso, o roteiro é igualmente habilidoso ao reproduzir a rotina escolar dos adolescentes, ressaltando o companheirismo, a inocência e a inexperiência por trás da formação desta popular superequipe da Marvel. Na trama, ainda convivendo com as consequências do ataque à Casa Branca, os X-Men seguiram por caminhos opostos. Contando com a ajuda do brilhante Dr. Hank McCoy (Nicholas Hoult), o professor Xavier resolveu inaugurar a sua tão sonhada escola para alunos superdotados. Considerada uma heroína por ter salvo a vida do presidente dos EUA, Raven\Mistica (Jennifer Lawrence) preferiu o anonimato e se tornou uma caçadora de recompensas. Já Erik decidiu formar a sua família num pacato vilarejo polonês, encontrando na sua esposa e filha um novo motivo para viver. A rotina do quarteto, no entanto, é novamente modificada quando o lendário Apocalipse (Oscar Issac) acorda do sono profundo disposto a recuperar o que lhe foi tomado. Com sede de poder, ele inicia uma devastadora reação em cadeia, colocando em risco não só a existência dos humanos, mas também dos mutantes que ficarem no seu caminho.


Tendo em mãos um argumento enxuto e bem amarrado, Bryan Singer procura fazer o simples ao dar corpo a esta envolvente história. Sem qualquer tipo de floreio, a ascensão do antagonista é introduzida com agilidade e imponência, assim como a apresentação dos novos personagens e dos seus respectivos dilemas. Ainda que a Guerra Fria pontue o discurso do vilão, o realizador praticamente abdica da contextualização política, se concentrando no desenvolvimento das equilibradas subtramas, na cativante dinâmica entre os heróis e na preparação para o tão esperado embate. Mesmo diante de algumas soluções nitidamente convenientes, Singer é habilidoso ao tornar os personagens parte integrante de uma engrenagem maior, permitindo que eles se cruzem de maneira harmoniosa e geralmente coesa. Neste cenário, aliás, é interessante ver como cada um dos mutantes entrega um pouco da sua essência à película, dando ao diretor a possibilidade de flutuar entre os gêneros. Desta forma, enquanto os hilários Mercúrio e Noturno se transformam nos alívios cômicos da trama, os intensos Xavier e Magneto adicionam peso ao longa. Além disso, Singer surpreende ao apostar pesado nas referências, fazendo um uso perspicaz dos easter-eggs e das aguardadas aparições especiais.


Por outro lado, apesar da coragem ao apontar para caminhos inesperadamente densos e\ou brutais, o argumento vacila ao subaproveitar o potencial dramático de alguns destes arcos, esvaziando promissoras questões emocionais em prol desta pegada mais aventureira. Na verdade, o roteiro não é suficientemente ousado ao explorar as consequências mais trágicas em torno da trama, principalmente no que diz respeito a figura de Magneto. Em alguns destes momentos, inclusive, Singer não consegue encontrar o tom ideal, indo do êxtase ao pesar de maneira ligeiramente desastrada. Nenhum deste deslizes, no entanto, supera a problemática presença do icônico Apocalipse. Apesar da impactante introdução e do orgulho do milenar personagem, o seu discurso messiânico não faz muito sentido, tal como as suas atitudes mais extremas e destrutivas. Ainda assim, mesmo limitado pela pesada maquiagem, o talentoso Oscar Isaac consegue dar alguma profundidade ao vilão, impedindo que ele seja reduzido a um falso deus genérico com sede de poder. Nas cenas de ação, aliás, o personagem funciona à contento, se revelando um adversário implacável e ameaçador. Por falar no antagonista, os cavaleiros Anjo (Ben Hardy) e Psylocke (Olivia Munn) são inexplicavelmente subaproveitados pelo roteiro, pontuando a história com inesperada brevidade. Já a indomável Tempestade (Alexandra Shipp) ganha um pouco mais de espaço para brilhar, principalmente na relação inicial com o poderoso Apocalipse.


Se narrativamente o longa tem os seus problemas, esteticamente X-Men: Apocalipse se coloca entre as maiores produções do gênero. A começar pelo visual dos heróis. Num trabalho extremamente fiel às HQ's, a nova geração dos mutantes é brilhantemente trajada, com destaque para a versão moicana da Tempestade, para a ousada Psylocke, para o figurino oitentista do Mercúrio e da Jubileu e para a pintura corporal da Mística e do Noturno. Somado a isso, Brian Singer faz um preciso uso do CGI, reproduzindo com rara inspiração o poder dos personagens ao nos brindar com algumas das melhores e mais grandiosas sequências de ação da franquia. Tirando o máximo da química entre os protagonistas, Singer exibe um impecável senso de simultaneidade, permitindo que cada um dos X-Men participe ativamente dos inúmeros embates. Chama a atenção, inclusive, o cuidado do realizador ao trabalhar a escala de tensão durante o empolgante clímax, se esquivando dos exageros ao entregar uma batalha final inventiva e estupidamente divertida. A cereja do bolo, no entanto, surge na catártica primeira sequência protagonizada pelo "hiperativo" Mercúrio (Evan Peters). Numa mistura virtuosa e bem humorada, Singer esbanja categoria ao utilizar a super câmera lenta, construindo um vibrante mise-en-scene ao som do hit Sweet Dreams. De longe, a minha cena favorita dentro do universo mutante da Fox. Num todo, aliás, este recurso estético é habilmente aproveitado ao longo da película, trazendo mais detalhismo aos combates físicos e aos expressivos takes dramáticos. Nesse sentido, Bryan Singer mostra a sua usual categoria ao encontrar espaço para momentos de rara beleza, especialmente na anárquica sequência dos mísseis e no "renascimento" do Magneto em Auschwitz.


Ainda assim, apesar dos incontáveis acertos visuais, Bryan Singer encontra no talentoso elenco o principal alicerce para o seu X-Men: Apocalipse. Mesmo limitado pelo texto raso, Michael Fassbender desfila a sua reconhecida intensidade ao dar vida a um devastado Magneto, nos fazendo crer na dor do seu Erik e nos motivos que o levaram a se unir aos quatro cavaleiros. No mesmo nível do seu parceiro de cena, James McAvoy é cuidadoso ao traduzir as nuances do pacifista Xavier, adicionando uma bem-vinda veia combatente ao mentor dos X-Men. Além disso, a relação do professor com a agente Moira pontua sutilmente a trama, dando a versátil Rose Byrne alguma importância narrativa. Alçada ao protagonismo da franquia, Jennifer Lawrence investe numa performance mais sutil ao defender os fortes ideais da sua Mística, exibindo um desconforto natural ao capturar o estado de espírito da personagem diante do rótulo heroico atribuído a ela. A sua liderança junto aos jovens mutantes, aliás, é bem resolvida ao longo da trama, dialogando de maneira inteligente com os episódios do antecessor Dias de um Futuro Esquecido. 


Já entre as caras novas, Sophie Turner entrega uma das melhores performances do longa ao absorver com competência a complexidade da sua Jean Grey. Convivendo com o medo dos seus próprios superpoderes, a Fênix cresce ao longo da película, se revelando um tipo forte, independente e altamente fértil. É interessante ver, aliás, como o argumento evita pesar a mão no que diz respeito a relação amorosa da personagem com Scott Summers, apostando no poder da sugestão ao "conversar" com a trilogia original. Por falar nele, Tye Sheridan cumpre a sua missão como o jovem Ciclope, adicionando um misto de impulsividade e ingenuidade ao revoltado mutante. Quem rouba a cena, porém, é o versátil Kodi Smit-McPhee. Mesmo limitado pela forte maquiagem do Noturno, o ator surpreende ao se tornar o principal alívio cômico do filme, criando um tipo afável e interessante. Por fim, assim como no longa anterior, o carismático Evan Peters também apronta das suas com o petulante Mercúrio, pontuando a trama com o seu humor afiado e com as já citadas cenas de ação. 


Tirando um excelente proveito do otimista cenário oitentista, X-Men: Apocalipse empolga ao se revelar um entretenimento escapista e recompensador. Uma continuação capaz de rir, até mesmo, dos próprios erros da trilogia original, adicionando com energia e bom humor uma revigorante dose de descompromisso a esta estabelecida franquia. Amparado pela química do promissor elenco, pela excelente montagem e pelas extasiantes sequencias de ação, Bryan Singer contorna as evidentes falhas de "acabamento" do roteiro ao investir numa aventura mais ágil e envolvente, priorizando basicamente a diversão ao apresentar a carismática nova geração de mutantes. E, cá entre nós, não vejo mal algum nesta opção.

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