sexta-feira, 31 de julho de 2015

Phoenix

Uma magistral jornada em busca da identidade brutalmente perdida

Tal qual a ave mitológica que dá titulo a este belíssimo exemplar do cinema alemão, Phoenix impressiona ao narrar de maneira elegante a jornada de uma mulher que renasce das cinzas após sobreviver a brutalidade do holocausto. Impulsionado pela soberba atuação de Nina Hoss (O Homem mais Procurado), brilhante ao explorar as nuances de uma cantora desfigurada pelos nazistas, este intenso drama sobre o pós-Segunda Guerra encanta pela inesperada sutileza com que acompanha a corajosa busca desta emblemática personagem por sua identidade perdida no conflito. Dirigido com rara inspiração por Christian Petzold (Barbara), o longa se distancia por completo da previsibilidade ao se aprofundar nas consequências deste tenebroso período, construindo com assombrosa frieza uma dolorosa história de amor e descobertas.



Inspirado no livro 'Le Retour des cendres', do escritor Hubert Monteilhet, o primoroso argumento assinado por Petzold e Harun Farocki não tem qualquer tipo de pressa ao desenvolver cada um dos sentimentos por trás desta incrível personagem. Se conectando naturalmente com o espectador desde a soturna primeira cena, quando vemos de imediato o impacto do holocausto naquela frágil figura, o realizador alemão mostra convicção ao conduzir a trama de forma simples e gradativa, utilizando o silêncio, a crua trilha sonora e a expressividade do seu elenco como um poderoso aliado narrativo. Evitando ser repetitivo ao evidenciar as mazelas da Segunda Guerra, o longa nos apresenta a trágica história de Nelly Lenz (Nina Hoss), uma cantora alemã - de família judia - que sentiu na pele a terrível ação do exército nazista. Completamente desfigurada, a jovem é descoberta por sua amiga Lene (Nina Kunzendorf), uma sobrevivente que passou a trabalhar para os Aliados no setor burocrático durante o pós-guerra. Após um longo e árduo processo de reconstrução facial, Nelly fica sabendo através de Lene que perdeu toda a sua família e que o amado marido Johnny (Ronald Zehrfeld) pode ter sido o responsável por envia-la para os campos de concentração. Devastada com a sua condição, Nelly resolve então partir atrás dele em busca de respostas, o encontrando em uma boate de Berlim. Pra sua surpresa, Johnny não a reconhece com o seu novo rosto, mas percebendo a semelhança física entre a velha e a nova Nelly decide chama-la para participar de um golpe contra a esposa que ele achava estar morta. De olho na herança da família Lenz, Johnny passa então a "transforma-la" na sua mulher, dando para ela não só a oportunidade de reencontrar a sua identidade, mas também de descobrir o verdadeiro culpado por tamanho sofrimento.


Nadando contra a expectativa do público, Christian Petzold abre mão dos melodramas ao atribuir uma generosa dose de humanidade a sua protagonista. Apesar da raiva e do sentimento de vingança ganhar a tela de maneira madura, tendo como porta voz a intensa e atormentada amiga vivida por Nina Kunzendorf, o argumento prefere dar a Nelly contornos bem mais complexos, explorando magnificamente os mistérios envolvendo a sua reaproximação com Johnny. Alimentando sabiamente o sentimento de dúvida em torno da figura do marido - seria ele um oportunista ou apenas um pianista amedrontado? - o roteiro faz questão de zelar pelos segredos por trás desta relação, mantendo o ritmo crescente à medida que Nelly e Johnny começam a colocar em prática este plano. Até porque, apesar de alimentar suspeitas com relação ao marido, a jovem cantora encontra nesta "parceria" uma forma de recuperar a sua própria identidade, relembrando momentos do passado que foram apagados pelos traumas do holocausto. Em meio a esta relação completamente atraente, destacada pelos afiados diálogos, chama a atenção a estupenda transformação da atriz Nina Hoss, de longe uma das responsáveis pelo sucesso deste longa. Dando vida a uma mulher inicialmente fragilizada, com seu olhar vidrado e a uma expressão amedrontada, pouco a pouco Nelly vai se despindo dos seus medos de maneira sóbria e comovente, tomando as rédeas desta dolorosa situação de forma absolutamente contida. A cada ferida fisicamente cicatrizada, a protagonista parece recuperar a sua verdadeira personalidade, encontrando forças para buscar as respostas para as suas perguntas. Por mais devastadoras que elas sejam. Se Hoss entrega uma daquelas performances avassaladoras, Ronald Zehrfeld (Entre Mundos) impressiona ao compor o dúbio Johnny. Cultivando um charme incompatível com as suspeitas que pairam sobre o seu personagem, o convincente ator alemão é preciso ao encarar as nuances do marido, um homem que passa a alimentar sentimentos confusos ao enxergar - cada vez mais - a sua esposa na "farsante" Nelly. 


Fazendo um refinado uso do desolador cenário alemão no pós-guerra, potencializado pela sombria fotografia de Hans Fromm (Barbara) e pelo realista trabalho da direção de arte ao reproduzir tamanha destruição, Phoenix comprova que as feridas emocionais são as mais difíceis de serem cicatrizadas. Sem qualquer tipo de concessão aos clichês do gênero, Christian Petzold se mantém fiel às suas intenções da primeira a última cena, evidenciando através da reconstrução de Nelly os horrores impostos por este nefasto período. Ainda que o ritmo propositalmente suave (quase lento) possa incomodar o mais desavisado, o fascinante roteiro guarda as suas revelações até a catártica sequência final, daquelas que merecem aplausos de pé e pontuam de maneira assustadoramente graciosa a jornada desta arrebatadora personagem.


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