terça-feira, 28 de abril de 2015

Casa Grande

A decadência da elite em tempos de crise econômica


Questionando as injustiças sociais sob um ponto de vista original, Casa Grande tira um belo proveito do atual cenário politico brasileiro ao mostrar os reflexos da crise financeira na rotina de uma emergente e conservadora família carioca. Num momento em que a internet parece ter virado o palco predileto para um crescente e improdutivo duelo de classes, o diretor e roteirista Fellipe Barbosa (Laura) se esforça ao trazer estes debates para a rotina de um adolescente 'boa praça' que cresceu "protegido" pelas mordomias possibilitadas por sua superprotetora família. Ainda que esta discussão funcione a contento durante praticamente todo o longa, principalmente pelo afiado humor com que introduz o imaturo jovem a sua nova realidade, o bem intencionado argumento perde parte de sua contundência no problemático ultimo ato, onde o interessante relato social ganha contornos simplórios e nitidamente banais. Um desfecho incompatível com o ótimo trabalho do elenco, capitaneado pelos competentes Marcelo Novaes e Suzana Pires, e com o honesto discurso de união defendido pela trama.


Lidando de maneira convicta com temas envolvendo os dilemas raciais e a crise educacional brasileira, Barbosa é particularmente habilidoso ao mostrar os contrastes que cercam este curioso argumento. Desde a emblemática primeira cena, quando de maneira quase opressora somos obrigados a acompanhar o apagar das luzes de uma luxuosa casa no Rio de Janeiro, o realizador é extremamente sagaz ao dar o seu recado através das imagens, explorando com inspiração os opostos que cercam uma grande e desigual metrópole. Apostando numa bem vinda inversão, aqui os problemas sociais ganham voz e são sentidos por uma família de classe média alta, o roteiro - também assinado por Karen Sztajnberg - narra a jornada de Jean (Thales Cavalcanti), um garoto de dezessete anos que parece incomodado com a sua regrada e luxuosa rotina. Vivendo à sombra do pai (Marcelo Novaes), um empresário respeitado disposto a fazer o filho seguir o seu caminho, Jean estudava no melhor colégio, tinha o seu próprio motorista, e podia ter tudo àquilo que a maioria dos adolescentes queria ter. Alimentando algumas simples vontades, como andar de ônibus ou não ter hora para chegar em casa, Jean vê a sua rotina realmente mudar quando a crise econômica faz a sua família de vítima. Disposto a encarar os problemas de frente, o jovem resolve se arriscar nesta nova realidade, sem saber se terá a base necessária para enfrentar as dificuldades envolvendo a transição para a vida adulta.

Trazendo no currículo a experiência com curtas-metragens e documentários, Fellipe Barbosa e Karen Sztajnberg demonstram categoria ao costurar estas questões sociais à jornada de amadurecimento protagonizada por Jean. Ainda que em poucos momentos o argumento flerte com o didatismo do tom documental, como nas artificiais discussões envolvendo as cotas raciais, no geral a dupla é realmente sútil ao desenvolver este debate moral, explorando com uma ironia ácida não só a rotina de aparências mantida pelos falidos pais, mas também os humanos e carismáticos personagens de apoio. Sem grandes floreios e julgamentos, é através da relação entre patrão e empregado que Barbosa coloca em cheque esta falsa sensação de superioridade, os aproximando ao evidenciar que Jean era mais íntimo do seu afetuoso motorista, o zeloso Severino, ou da espevitada arrumadeira, a atirada Rita (Clarissa Pinheiro), do que propriamente da sua família. Em meio as perspicazes discussões morais, ora nitidamente incomodas, ora levianamente divertidas, a envolvente trama é igualmente precisa ao desenvolver o impacto desta crise, seja financeira, seja de identidade, na rotina de Jean. Contando com o impecável desempenho do estreante Thales Cavalcanti, maduro ao capturar as nuances do seu personagem, o roteiro traduz com naturalidade a crise existencial enfrentada pelo jovem, trabalhando com temas absolutamente universais ao mostrar os reflexos desta crise familiar na relação dele com os pais, com o aparente primeiro amor (Bruna Amaya), e com o seu círculo de amigos.


Quando tudo parecia caminhar para um intenso desfecho, o problemático último ato reduz consideravelmente a força de Casa Grande. Por mais que a direção acerte ao construir o conflito de ideais entre Jean e o seu pai, numa contida e impressionante atuação de Marcelo Novaes, e a consequente crítica a nossa cultura patriarcal, vide a esperta e praticamente ignorada figura da irmã (Alice Melo), o roteiro opta por adotar um discurso complacente e levemente ingênuo ao compor uma relação final entre pobres e ricos. Sem querer revelar muito, na tentativa de se exaltar a capacidade de ser feliz - e integro - com pouco, o realizador aposta em soluções simplórias e convenientes, diminuindo o impacto em torno da jornada de amadurecimento do jovem. Boas intenções à parte, aqui o problema não fica pelo justo e igualitário discurso adotado, mas sim pela maneira com que ele ganha voz no clímax, culminando com um clichê barato envolvendo uma das personagens mais legais da trama. Entre erros e acertos, Fellipe Barbosa mostra talento ao promover uma necessária e contextualizada crítica social à elite, evidenciando que a crise econômica não distingui sexo, raça, religião e status social. Um relato no mínimo original, oriundo das próprias experiências do realizador, que encontra a sua verdadeira essência ao enfatizar que a pior decadência não é a financeira, mas sim a moral.


Nenhum comentário: