quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Caçada Mortal

Thriller de suspense demonstra maturidade ao humanizar a figura do atual herói de ação 

A inspirada cena inicial pode até confundir o espectador mais desinformado. Numa sequência de rara categoria, vemos o detetive vivido por Liam Neeson, no melhor estilo Bryan Mills de Busca Implacável, colocar fim a vida de três criminosos com precisão "quase" cirúrgica. As consequências deste ato, no entanto, evidenciam os verdadeiros interesses do competente Caçada Mortal, longa que procura humanizar os dilemas em torno desta popular figura do (anti) herói do cinema de ação. Conduzido com estilo por Scott Frank, responsável pelos roteiros de Marley e Eu, Minority Report, Wolverine Imortal e pela direção do subestimado O Vigia, este suspense de aura noir surpreende pela forma madura e verossímil com que questiona a banalização da violência por trás das atitudes de cada um dos personagens. Críticas que ganham contornos ainda mais interessantes nas mãos de Neeson, amenizando as patinadas da trama e a falta de peso do elenco de apoio. 

Deixando de lado os excessos envolvendo o explosivo cinema de ação, Scott Frank é habilidoso ao construir o clima de sua narrativa. Responsável também pelo roteiro, o realizador encontra na fotografia pálida e numa impecavelmente sombria trilha sonora uma forma de instigar o público e evidenciar que a tensão vai acompanhar o espectador até a última sequência. Inspirada no conto homônimo de Lawrence Block, a trama nos apresenta então o detetive Matt Scudde (Liam Neeson), um policial alcoólatra que vê a sua vida mudar após reagir a um assalto dentro de um bar. Atormentado pelos erros do passado, ele deixa a policia e vira um detetive particular. O tempo passa, o vício também, mas os crimes voltam a sua rotina quando ele se depara com um caso realmente misterioso. A pedido de um colega do AA, Matt conhece Kenny (Dan Stevens), um desesperado homem que viu a sua esposa ser sequestrada e morta. Disposto a fazer vingança, ele pede para que Matt encontre pistas do paradeiro dos sequestradores. Apesar das incertezas em torno do caso, o detetive acaba aceitando a missão e durante a investigação descobre que Kenny não foi o único a perder alguém para estes psicopatas. Nesse meio tempo, no entanto, Matt se aproxima do jovem T.J (Astro), um esperto menino de rua que logo se entusiasma como a possibilidade de se tornar um detetive.


Utilizando os Alcoólatras Anônimos como um interessante pano de fundo, Scott Frank encontra em Liam Neeson o nome ideal para dar contornos mais sóbrios e humanos à jornada deste detetive. Apesar de ser um dos principais nomes atuais deste inabalável cinema de ação, recheado de exércitos de um homem só, o protagonista de clássicos como A Lista de Schindler e O Preço da Liberdade demonstra uma grande entrega ao desconstruir esta figura ao longo de toda a película. Se aproveitando da nítida preocupação do roteiro em questionar a violência, Neeson mostra o seu talento ao construir um anti-herói frágil, relutante, sentimental, mas extremamente sagaz, que parece carregar na expressão o peso de cada um de seus tiros. Nuances que, diga-se de passagem, se tornam um dos pontos altos do roteiro, principalmente pela opção da trama em se concentrar muito mais nos mistérios em torno da investigação, do que nos excessos envolvendo a apologia a violência. Além disso, Frank também demonstra eficiência ao apresentar os antagonistas. Desde a envolvente sequência dos créditos iniciais, quando a câmera passeia pelas curvas de uma mulher numa trucagem sugestivamente contraditória, o diretor opta (inicialmente) por não só omitir a identidade dos criminosos, como também em potencializar a personalidade sádica dos dois.


Aos poucos, no entanto, o argumento parece patinar em torno desta investigação. Mesmo se mantendo quase sempre fiel a este viés antibélico, Matt é um detetive que anda geralmente desarmado, a impressão que fica é que o suspense começa a perder força à medida que a identidade e as motivações dos criminosos vão sendo reveladas. Por mais que o roteiro tenha méritos ao não se apoiar em soluções mirabolantes, as explicações para as atitudes dos antagonistas se mostram frágeis e clichês, sendo ligeiramente amenizadas pela perfomance insana de David Harbour (O Protetor) e por sequências no melhor estilo Lobo Mau e Chapeuzinho Vermelho. Outro problema fica pela presença do jovem T.J. Apesar da atuação segura do rapper Astro, revelação do reality show The X Factor, e das boas intenções em torno de seu carismático personagem, um garoto malandro que parece um símbolo desta geração acostumada à violência, a presença do adolescente reduz drasticamente a sobriedade em torno do argumento. Na verdade, com exceção de duas ou três cenas, a presença do jovem se mostra uma forçada de barra dos produtores, quebrando o ritmo de muitos momentos durante a segunda metade e conflitando com a tentativa do roteiro em dar densidade às decisões em torno da investigação de Matt.


Pecando também ao dilatar o eficiente clímax, Scott Frank faz de Caçada Mortal, ainda assim, um suspense acima da média. Ainda que o roteiro tenha os seus altos e baixos, principalmente ao prometer mais do que cumpre com relação aos desenvolvimento dos antagonistas, a intensa atmosfera criada, os bons diálogos e o humano anti-herói concebido por Liam Neeson mostram o esforço dos realizadores na tentativa de desconstruir o cenário atual dos suspenses policiais. Por mais que aos olhos inocentes personagens como o detetive Matt possa parecer a típica figura de um herói, é legal ver que alguns longas estão dispostos a ressaltar o peso das consequências envolvendo a justiça\vingança à qualquer custo.

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