Nolan recorre ao drama familiar para dar mais humanidade a este épico espacial
Inspirado pelas teorias de físicos renomados como Albert Einstein e Kip Thorne, este último um dos produtores executivos do longa, Interestelar surpreende ao não se mostrar tão complexo quanto parecia ser. Ao longo de quase 2 h e 50 min de projeção, o diretor Christopher Nolan (A Origem) confere a este robusto Sci-Fi uma curiosa atmosfera blockbuster, recorrendo aos elementos mais básicos do cinema pipoca para guiar o espectador através de um argumento repleto de conceitos envolvendo as leis da física. Em meio às elaboradas viagens entre tempo e espaço, apresentadas com um didatismo que não subestima a inteligência do espectador, Nolan encontra nos melodramas intertemporais entre um pai e sua filha uma
interessante forma de humanizar esta épica jornada pela sobrevivência. Recheado de empolgantes sequências de ação, atuações arrebatadoras e um visual digno dos grandes clássicos do gênero, Interestelar é um daqueles trabalhos capazes de agradar não só aos fãs das obras de cunho mais científico, como também àqueles que procuram um entretenimento de altíssima qualidade.
Por mais que a comparação com o clássico 2001: Uma Odisseia no Espaço seja praticamente inevitável, esta nova e arriscada investida de Christopher Nolan opta por seguir um caminho bem mais objetivo. Evitando ser excessivamente reflexivo, o argumento assinado pelo próprio diretor, ao lado de seu irmão Jonathan Nolan, opta por promover as suas próprias interpretações envolvendo as teorias de Thorne, não se resumindo as perguntas sem respostas. Se passando num futuro não muito distante, somos então levados a uma realidade extremamente caótica, onde o próprio planeta Terra consumiu boa parte dos recursos naturais e tecnológicos. Vivendo de plantações de milho e quiabo, o ex-piloto da NASA Cooper (Matthew McConaughey) parece acomodado com a vida de fazendeiro, dando total atenção aos seus filhos Tom (Timothée Chalamet) e Murphy (Mackenzie Foy). Num acaso, no entanto, a jovem apaixonada por ciências descobre as coordenadas para uma base secreta da NASA, liderada pelo professor Brand (Michael Caine). Lá, ela e o pai percebem que uma última viagem espacial está sendo planejada, e que esta seria também a derradeira alternativa para a salvação da vida humana na Terra. Acreditando que foi levado até ali por forças desconhecidas, Cooper aceita liderar a nave Endurance, mesmo sabendo que poderá nunca mais ver os seus filhos.
Explorando com audácia os conceitos físicos - as noções de gravidade e da relação tempo e espaço são mostradas com extrema propriedade - Christopher Nolan aposta numa trama universal e bem ritmada. Em meio aos dilemas iniciais entre pai e filha, potencializados pelas avassaladoras atuações de Mackenzie Foy e Matthew McConaughey, o argumento é brilhante ao desenvolver este conflito de gerações sob um ponto de vista bem particular, evidenciando as preocupações de Cooper em voltar a ver a sua filha. Enquanto aprendemos que o tempo passa mais devagar no espaço, vemos o envelhecimento dos atores no planeta Terra e como a crescida Murphy, numa igualmente invejável atuação de Jessica Chastain, passou a seguir os passos do pai na busca por nossa salvação. Desenvolvendo estas duas linhas narrativas com precisão, Nolan mostra também perícia na construção desta jornada espacial pela busca de um novo planeta habitável. Se aprofundando ai nas hipóteses de Einstein, principalmente as que envolvem o complexo conceito do "buraco da minhoca", o roteiro de aparência pretensiosa faz questão de tornar acessível todas as explicações e respostas envolvendo estes temas, enfatizando os dilemas humanos em torno das complexas ideias. Para isso, aliás, o realizador se apega a um improvável debate entre a razão e a emoção, rendendo diálogos maduros e verdadeiramente comoventes. Momentos que, diga-se de passagem, são incrementados pelos desempenhos dos "cientistas" Michael Caine, Anne Hathaway e Matt Damon, numa surpreendente participação.
Estes méritos, no entanto, não conseguem amenizar os problemas envolvendo a parte final da projeção. Na ânsia de agradar a todos os públicos, Nolan apela para algumas delicadas soluções, exagerando nas interpretações a cerca das hipotéticas teorias espaciais. Buscando responder as muitas questões do roteiro, o realizador recorre à concessões típicas dos blockbusters, numa virada complexa, acelerada, mas de certa forma plausível dentro da piração do argumento. Mesmo não sendo tão original, o mirabolante clímax ainda assim rende um desfecho à altura dos eficazes dois primeiros atos, principalmente no que se refere ao virtuosismo técnico do longa, impactante ao longo das quase três horas de projeção. Evitando se prender ao CGI (a equipe técnica teve o cuidado de construir grandes telões para projetar o cenário espacial, facilitando a imersão dos atores nas cenas), Christopher Nolan mostra inspiração ao conceber esta jornada. Como se não bastasse a originalidade ao recriar planetas, o "buraco da minhoca" e a galáxia em si, Nolan investe em empolgantes sequências de ação, que nem de longe se resumem aos voos da tripulação liderada por Cooper. Embalado pela impactante trilha sonora de Hanz Zimmer, que homenageia 2001 sem parecer uma cópia barata, e pela magistral fotografia de Hoyte Van Hoytema (Ela), o longa é perspicaz ao nos inserir na hostilidade do espaço sideral, promovendo uma magnética excursão de tons épicos. Se inspirando no inestimável trabalho de Alfonso Cuarón em Gravidade, o diretor é igualmente cuidadoso com o aspecto sonoro, utilizando a trilha sonora, ou a ausência dela, com o intuito de sempre chocar o espectador. Uma opção que rende não só sequências de rara beleza, como também momentos abruptos e inesperadamente aniquiladores.
Sempre fiel às suas convicções narrativas, Christopher Nolan faz de Interestelar uma ousada e original viagem espacial de US$ 160 milhões, um longa capaz de mostrar os motivos que o levaram a ser considerado um dos realizadores mais cultuados da atualidade. Um diretor que, dentre os muitos méritos já citados, consegue até mesmo dar algum carisma a dois robôs que mais parecem portas de elevador. Embora abra espaço para uma série de elaboradas teorias espaciais, traduzidas para o público leigo de forma completamente aceitável, Nolan realmente surpreende ao se conectar com os verdadeiros sentimentos dos seus personagens, realçando as nuances mais íntimas por trás desta trupe de humanos em busca da sobrevivência. Em outras palavras, desta vez o "pai" da nova trilogia Batman deixa se levar muito mais pela emoção do que pela razão, um fato raro em sua cinebiografia.
2 comentários:
Concordo basicamente com tudo. É um bom filme, mas que derrapa feio no terceiro ato. Uma pena.
http://filme-do-dia.blogspot.com.br/
Eu classifico até como um ótimo filme, que poderia ser excelente com um pouco mais de cuidado na parte final. Ainda assim, pela ousadia e boas atuações, Interestelar merece muitos elogios. Abs.
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