Nostálgico, encantador e
genuinamente divertido, Bumblebee trouxe vida inteligente ao universo
Transformers. Sob a cativante batuta de Travis Knight, do igualmente excelente
Kubo e as Cordas Mágicas, o longa resgata a lucrativa franquia da Hasbro de um
limbo criativo ao mostrar que nem tudo precisa ficar reduzido ao megalomaníaco
confronto entre Autobots e Decepticon. Com algo de novo a contar, Knight faz
jus a atmosfera oitentista ao reciclar a velha fórmula dos “filmes família”,
reduzindo drasticamente (ufa!) o escopo da saga ao investir todas as suas
fichas numa revigorante história de amizade entre uma menina castigada pela
vida e o seu afetuoso carro alienígena. E isso (outra vez ufa!) livre dos
maneirismos do cinema de Michael Bay. O resultado é um blockbuster com coração,
um filme sincero capaz de reacender a chama de uma popular franquia
impiedosamente deteriorada nas últimas décadas por uma indústria sedenta pelo
lucro fácil.
Entender o sucesso de Bumblebee é
bem fácil. O que Travis Knight fez, em primeiro lugar, foi se distanciar ao
máximo do que vinha sendo produzido dentro da saga nos últimos anos. A ideia,
aqui, nunca foi entregar uma continuação genérica. Ou um filme de origem
caça-níquel. Alguém precisava resgatar a essência da série animada.
Transformers precisava retornar as suas origens. Consciente disso, Knight nos
deu a chance de ver isso acontecer. E o fez com uma dose de cuidado e respeito
capaz de nos permitir recordar de alguns verdadeiros clássicos da nossa
infância. Por mais que a trama se inicie em Cybertron e situe o espectador
quanto a guerra no planeta dos Autobots, o realizador se afasta ao máximo do frenesi
do cinema de ação ao se encantar pela face mais terna da sua história. Na
reconfortante história de amizade entre Bumblebee, um robô sem voz e memória
após ser vítima de um ataque decepticon, e Charlie (Hailee Stenfield), uma
jovem abatida às avessas com a precoce morte do seu querido pai. É indiscutível
que os melhores momentos do longa estão na disfuncional interação entre os
dois. Influenciado por títulos como E.T: O Extraterrestre (1981) e Gigante de
Ferro (1999), Knight segue com maestria a cartilha do subgênero ao estreitar os
laços dos dois à medida que ambos passam a se conhecer mais. Indo bem além do
humor, as sequências do desastrado robô dentro da casa são engraçadíssimas, o
argumento assinado por Christina Hodson esbanja sensibilidade e presença de
espírito dar voz aos dilemas dos dois personagens, ao não usar os conflitos
deles como uma mera desculpa narrativa. Algo que se torna decisivo no momento
em que o vínculo entre os dois é ameaçado por um brutalizado militar (John
Cena) e uma dupla de nefastos decepticons.
Se o coração de Bumblebee está na
sua história de amizade, potencializada pela genuína performance de Hailee
Stenfield, o charme obviamente está na refrescante aura oitentista. Numa opção
perspicaz, Travis Knight acerta ao situar a trama deste filme de origem num
cenário que remete as origens da série Transformers. Os anos 80, aqui, são
quase um personagem. O cenário é de uma riqueza imersiva ímpar. A eclética
trilha sonora é explorada com muita originalidade nas mãos do realizador. O
visual multicolorido da época dita o tom vibrante da convidativa fotografia de
Enrique Chediak (127 Horas). Uma particular ‘vibe’ nostálgica que, em
tempos de Stranger Things e IT: A Coisa, se torna mais um dos trunfos da
produção. Indo de Bon Jovi à Alf: O Eteimoso, de Sam Cooke a Clube dos Cinco,
de The Smits ao jogo Pong, Knight verdadeiramente nos coloca num reconhecível
cenário oitentista, encontrando nele o pano de fundo perfeito para a construção
da “grande confusão” em que a sua protagonista se mete.
Em alguns momentos, na verdade,
parece que estamos diante de uma produção da época com efeitos visuais atuais,
tamanha a honestidade com que o diretor invade este despretensioso subgênero.
Como não elogiar, por exemplo, o magnífico segundo ato de Bumblebee, quando,
com completo pulso narrativo, Travis Knight praticamente suspende o senso de
ameaça ao se render ao aspecto lúdico, a divertida construção dos laços entre o
autobot e Charlie. Longe de ser um apêndice, as peripécias da dupla de amigos
rendem situações ora hilárias e empolgantes, ora densas e comoventes, agregando
valor ao longa devido a perspicácia com que o realizador olha para esses
momentos. Nas sequências mais íntimas, por exemplo, ele esbanja delicadeza,
explorando com virtuosismo as noções de escala ao posicionar os personagens num
mesmo patamar dramático. A relação entre os dois é mais física, palpável, afetuosa.
Bee está longe de ser o gigante descolado dos últimos quatro filmes. Devido ao
seu mal funcionamento, ele surge aqui mais frágil, acuado, quase como uma
criança. Já nas cenas abertas, Knight retira o pé do freio ao investir pesado
no senso de entretenimento, na diversão puramente escapista, o que fica bem
claro na fantástica perseguição dentro do túnel. Um daqueles momentos originais
que há muito não se via dentro da franquia.
Um predicado que, mais uma vez,
merece ir para conta de Travis Knight. Oriundo do mundo da animação e trazendo
na bagagem a experiência no stop-motion, o realizador não titubeia em imprimir
a sua visão sobre este saturado produto. Mais do que simplesmente redimensionar
os personagens, que, embora sigam imponentes, já não são mais tão gigantescos
assim, Knight preza pela fisicalidade deles. Fiel aos traços da animação
clássica, ele investe pesado na expressão dos personagens, no senso de mobilidade
deles, tornando tudo muito mais claro aos olhos do público. Esqueça, portanto,
as explosivas batalhas, a confusão visual, o choque de criaturas robóticas.
Tudo aqui tem mais peso. Mais vida. Para os fãs mais crescidos, a sequência em
Cybertron deve soar como uma verdadeira homenagem ao material fonte. Somado a
isso, nos momentos mais íntimos, Knight capricha no desenvolvimento\captura da
expressividade de Bee. Os ternos e grandes olhos azuis do robô, na verdade,
trazem um senso de humanidade ao protagonista nunca antes visto dentro da
franquia, algo que se torna decisivo na construção das passagens mais
dramáticas da obra. Knight, aliás, investe em planos\enquadramentos dignos de
moldura, tornando tudo muito plástico aos olhos do público.
Uma aventura gratificante (e
reconfortante) em tantos sentidos, Bumblebee revigora uma franquia praticamente
destruída com inocência, leveza e muito carisma. Um belo respiro. Embora
narrativamente formulaico (e por vezes conveniente), o longa valoriza como
poucos a nostálgica aura ‘feel good’ ao valorizar a pureza da amizade em
detrimento da banalização da ação. Sem medo de errar, Bumblebee está para a
franquia Transformers, assim como Estrada da Fúria está para a trilogia Mad
Max. Um filme capaz de revitalizar o estado das coisas dentro da saga. Um filme
que, definitivamente, não precisa do ‘hype’ seguir agradando.
Nenhum comentário:
Postar um comentário