Fiquem com o clássico!
É impossível explicar o que o diretor Ben Wheatley tentou fazer aqui. Reconhecido por títulos provocantes como o errático No Topo do Poder, o cineasta frustra ao tratar o texto da escritora Daphne Du Maurier de forma quadrada e desconectada da realidade. Assombrada pelo fantasma da Hitchcock, a sua versão se perde entre o clássico e o moderno. O problema não está somente na falta de pulso narrativo. O realizador não consegue em momento algum definir o tom da obra. Nem tão pouco entregar algo novo. Wheatley se vê refém do material fonte. Rebecca fracassa em tudo o que tenta. O romance entre a dama de companhia vivida por Lily James e o cobiçado viúvo interpretado por Armie Hammer é pura água com açúcar. O potencial duelo de classes é esquecido. O mistério envolvendo os “fantasmas” escondidos na mansão nunca é tratado como prioridade. O suspense psicológico é de uma superficialidade imperdoável. Rebecca, a saudosa esposa, é uma personagem ausente que permanece ausente.
Isso porque o roteiro, talvez na ânsia de proteger o seu plot twist, nunca se aprofunda nos segredos dela. Rebecca não intriga, não ameaça, nem tão pouco causa algum tipo de comoção. Ao contrário do que indica o subtítulo, ela é esquecida em boa parte da trama. Tudo o que diz respeito a ex-esposa surge de forma conveniente. A falta de ideias de Wheatley (e do argumento por consequência) é constrangedora. Ele simplesmente não consegue explorar o sombrio e requintado cenário. Nem desenvolver a deterioração emocional da nova Srª De Winter. O classicismo visual em nada acrescenta à narrativa. Pelo contrário, mais confunde de que elucida. Enquanto a fotografia em tons dourados sugerem o sonho da princesa, os fatos denotam repressão e pesadelo. Um contraste que, à medida que a trama avança, descobrimos ser totalmente involuntário. Se existe alguma tensão na película, ela nasce da angústia impressa em tela pelo talentoso elenco e da presença nebulosa da instigante governanta vivida pela fantástica Kristin Scott Thomas. E só disso.
As escolhas do roteiro são indefensáveis. O que fica evidente quando Rebecca: A Mulher Inesquecível tenta (tardiamente) se desprender do texto original. É inacreditável que, em 2020, as roteiristas Jane Goldman e Anna Watherhouse assinem um script com uma personagem feminina tão tola e contraditória. Me arrisco a dizer, inclusive, que Alfred Hitchcock, em 1940, consegue sublinhar melhor os vícios de uma sociedade patriarcal do que o remake de 2020. É inexplicável a permissividade para com os desdobramentos do plot. O espanto causado pelo último ato não nasce devido a uma surpresa, ou ao choque visual, mas da pobre construção dramática\narrativa. O tipo de desleixo que nos impede de entender até mesmo as motivações da protagonista. A frase final, por exemplo, não faz sentido. Pelo menos eu não vi ninguém enfrentando qualquer incêndio na trama...
Condescendente com o masculino, Rebecca não tem um décimo da tensão da versão de Hitchcock. Não tem também a vitalidade, a energia inquietante e nem tão pouco a capacidade para extrair algo novo (as possibilidades eram tantas...) do plot. Um filme que nasceu velho. Na dúvida, fique com o clássico. Essa é a outra lição que eu tenho a ensinar sobre remakes.
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