Analisar filmes como Fratura não
é das missões mais fáceis. A rigor, o longa dirigido pelo subestimado Brad
Anderson, dos elogiados O Operário (2004) e Expresso Transiberiano (2008),
funciona dentro do que se propõe. Estamos diante de um thriller dramático
tenso, visualmente enervante, com atuações consistentes e uma premissa
naturalmente instigante. A custa do quê, porém, o realizador conseguiu este
efeito? Como sempre costumo dizer, os melhores títulos do gênero devem nos
convidar a participar da brincadeira. Devem fisgar sem subestimar, ou enganar,
ou manipular. Quanto mais limpo o roteiro joga com o público, mais intrigante
tende a ser a experiência. Uma preocupação que, infelizmente, aqui não tem vez.
Fratura é o tipo de produção que
se acha mais inteligente que o seu público. Que acha que pode ditar\alterar as
regras ao seu bel prazer. Na ânsia de criar uma sensação de ambiguidade em
torno do protagonista, um pai (Sam Worthington) desesperado após ver a sua esposa
e filha desaparecerem num hospital, o roteiro assinado por Alan B. McElroy (dos
terríveis Deixados para Trás, Spawn, Dupla Explosiva e Tekken) testa a
inteligência do público ao esconder o jogo. Ao sustentar as suas reviravoltas
em soluções inverossímeis. Ao tentar sempre interferir na linha de análise do
público. Os fatos aqui não são o bastante para Brad Anderson. A todo momento o
realizador força a barra na tentativa de criar a sensação de perigo iminente. De
que algo está muito errado. Um cochicho sinistro aqui. Uma troca de olhares
estranha ali. Um papel que desaparece convenientemente acolá. Se por um lado
ele acerta em cheio ao tornar o hospital um ambiente naturalmente sinistro, por
outro o diretor pesa a mão ao tentar sugerir algo que o roteiro em momento
algum é capaz de sustentar. A angústia do desequilibrado pai nunca parece o
bastante. O suspense psicológico é um elemento mal trabalhado aqui. Por mais
que, à medida que a trama avança, Anderson até se arrisque em tocar em questões
do cunho emocional, o longa frustra ao “confiar” demais na perspectiva do
protagonista em detrimento do nosso ponto de vista sobre os fatos. Uma hora é
isso, outra hora aquilo e ponto final. A plausibilidade fica sempre em segundo
plano. Além disso, Anderson usa e abusa dos diálogos expositivos quando decide reinterpretar os atos da abalada figura paterna a partir do olhar dos ameaçadores personagens
de apoio. Qual a propriedade que, por exemplo, uma psiquiatra teria para traçar
um profundo estudo de personagem em cinco minutos? Algo que ajuda a explicar as
inúmeras contradições do roteiro.
Um problema que, a meu ver, fica
evidente quando o didático clímax toma conta da tela. No momento em que o filme
resolve explicar o que já parecia até bem claro, nos pegar pelo braço e revelar
aquilo que o argumento já deveria ter estabelecido, Brad Anderson reforça a
sensação de manipulação ao surgir com uma cena convenientemente omitida do ato
inicial. Um simples gesto que mudaria por completo a nossa interpretação dos
fatos. O tipo de sequência que, se bem utilizada, poderia ter enriquecido a experiência.
Poderia, como dito acima, ter nos colocado já nos primeiros minutos de obra em
dúvidas sobre o que estaria por vir. Vide o inigualável O Sexto Sentido (1999)
e o recente Distúrbio (2018). Talvez por falta de confiança no roteiro, na
capacidade do script em instigar\surpreender, Anderson opte por proteger tanto
os seus segredos, por devotar tanto a construção do seu 'plot twist'. O pior é que, enquanto não percebemos que estamos sendo
influenciados pelo roteiro\direção, Fratura funciona. E até muito bem. A
sensação de desespero é sólida. Com pulso narrativo e espertas soluções visuais,
o diretor torna a burocracia do hospital algo por si só enervante. Mesmo de
forma manipulativa, Anderson consegue criar uma consistente atmosfera de
tensão. Ele também é habilidoso ao estreitar os laços entre público e personagem.
Além disso, Sam Worhtington entrega uma das melhores atuações da sua carreira
ao encarar este pai desequilibrado à procura do paradeiro da sua filha. É fácil
enxergar a dor do personagem, a sua deterioração emocional, a sua crescente
raiva, o seu senso de indignação. Um sentimento de empatia que merecia ser
trabalhado com mais “respeito” pelo roteiro.
Uma pena que Fratura opte por ser
o tipo de obra que testa a inteligência do público. Mesmo com um ‘plot’ sólido
em mão, Brad Anderson interfere demasiadamente na natureza da sua obra (e na
nossa perspectiva) ao sacrificar o suspense psicológico em prol da construção
de um convencional thriller dramático. Daqueles que, na ânsia de
surpreender, se prendem exageradamente a um único ponto de vista. No fim,
embora tudo faça sentido, a impressão que fica é que o melhor da produção
original Netflix nasce das conveniências narrativas e da capacidade do diretor
em manipular a nossa interpretação a fim de solidificar o clima de tensão.
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