Bohemian Rhapsody fechou a noite com quatro estatuetas, seguindo por Green Book, Roma e Pantera Negra com três
Sem apresentador, com mudanças em
cima da hora e muitos números musicais, o Oscar 2019 chegou marcado pela imprevisibilidade.
Era difícil antecipar não só o que aconteceria na premiação em si, mas
principalmente o rumo que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas
tomaria em uma edição acirradíssima. O fato, porém, é que a imponente presença da
gigante Netflix trouxe um clima de novidade. Será que a indústria do cinema
estava realmente disposta a romper com o velho ‘status quo’? Será que as novas
vozes de Hollywood iriam se sobrepor aos mais tradicionalistas? Num primeiro
momento, a sensação era que sim. A atmosfera de ineditismo tomou conta da
abertura da cerimônia, com a explosiva apresentação do Queen. Em poucos
minutos, a banda levantou o público presente numa performance arrasadora, dando
a entender que teríamos um Oscar mais descolado, mais popular. Só por isso,
Bohemian Rhapsody fez valer a sua questionada presença entre os postulantes a
estatueta dourada. Após o hilário mini discurso de abertura do trio Tina Fey,
Amy Pohler e Maya Rudolph, fica a dica para 2020 Academia, Regina King fez
valer o seu favoritismo ao levar o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por Se a
Rua Beale Falasse. Previsível, mas justo. No palco, a experiente realizadora comoveu
com um discurso espontâneo. “Eu sou um exemplo do que acontece quando alguém
recebe apoio e amor”, disse ela se referindo a sua mãe, igualmente emocionada
na primeira fileira na plateia.
Foto: Reprodução TV |
A primeira grande surpresa da
noite veio na categoria Melhor Documentário. Contrariando as expectativas, que
apontavam para o político RBG, o imagético Free Solo levou o Oscar ao narrar a
incrível jornada de um alpinista numa escalada sem equipamentos de segurança. Uma
boa novidade. O ponto mais alto do terço inicial da premiação, entretanto, ficou
pela impagável performance de Melissa McCarthy. Vestida com um longo de época e
um coelho fantoche na mão, numa clara alusão a rainha de A Favorita, a atriz
roubou a cena ao anunciar o triunfo de Pantera Negra na categoria Melhor
Figurino. Indo de encontro ao classicismo do evento, a Academia premiou a
originalidade afro do longa, transformando Ruth E. Carter na primeira mulher
negra a levar a estatueta na categoria. Esse, aliás, foi o primeiro Oscar para
uma produção do universo Marvel Studios. O segundo, porém, não demorou para
chegar. Novamente quebrando os paradigmas da categoria, o afrofuturismo de
Wakanda deu ao filme dirigido por Ryan Coogler o Oscar de Melhor Direção de
Arte. Primeira mulher negra a também triunfar na categoria, Hannah Beachler não
segurou as lágrimas ao agradecer a oportunidade dada pelo diretor. “Eu dei o
meu melhor e o meu melhor foi o bastante”, concluiu a emocionada realizadora. O
efeito Pantera Negra era claro. A vitória da diversidade. Das novas vozes.
Por falar em vozes, como
esperado, Bohemian Rhapsody emplacou duas estatuetas do Oscar em sequência nas
categorias Melhor Edição de Som e Melhor Mixagem de Som. Apesar das críticas
negativas em torno do longa, tecnicamente, o musical dirigido por Bryan Singer
tem muitas virtudes, o que justifica as duas conquistas. Após um breve lapso de
previsibilidade, entretanto, o Oscar voltou a ousar. Num momento em que os EUA
enfrentam o fantasma da divisão e da xenofobia, a Academia deu a Javier Bardem
a oportunidade de anunciar a categoria Melhor Filme Estrangeiro na sua língua
natal, o espanhol. Com direito a legendas em inglês, ele, ao lado da inesgotável
Angela Bassett, deu a Roma o Oscar na categoria que, em 2019, estava acirradíssima. Mais uma vez no palco, já que minutos antes ele havia levado o Oscar de Melhor Fotografia, Alfonso Cuarón arrancou risadas ao revelar que, para
ele, filmes como Cidadão Kane, Poderoso Chefão e Tubarões eram estrangeiros.
Uma crítica travestida de piada que faz todo sentido num ano em que o seu Roma
está também indicado ao Oscar de Melhor Filme. Por que não Guerra Fria ou
Capernaum? Duas obras sabidamente melhores que muitas das indicadas na
categoria. Vale a reflexão. Na sequência da premiação, Bohemian Rhapsody
colocou mais um prêmio na sua estante ao levar o Oscar de Melhor Montagem.
Embora tratado como favorito, a vitória do “filme do Queen” ligou um sinal de
alerta. O ‘hype’ em torno do problemático longa era real. Será que Bohemian
Rhapsody teria força para prêmios mais “pesados”?
Cotado como um dos favoritos ao
Oscar de Melhor Filme, Green Book só veio ganhar a sua primeira estatueta no
meio da premiação. E sem nenhuma surpresa. Na sua segunda indicação ao prêmio,
Mahershala Ali levou a sua segunda estatueta de Melhor Ator Coadjuvante por seu (incrível)
trabalho em Green Book. Esqueça as possíveis liberdades criativas, as distorções. Só por dar voz a Don Shirley, o longa já tem os seus méritos. Algo validado
pelo intenso trabalho de Ali. Por falar em favoritismo, o Oscar de Melhor
Animação ficou em excelentes mãos. Um dos melhores longas da safra 2019,
Homem-Aranha no Aranhaverso é um prêmio a criatividade, ao frescor de
realizadores que ousam em entregar algo novo. Uma obra virtuosa, densa e sofisticada que deu ao amigão da vizinhança a oportunidade de prestar uma das
mais belas homenagens ao seu criador, o saudoso Stan Lee. Após Mikey Meyers e
Dana Carvey, a dupla de Quanto Mais Idiota Melhor, reviver esta singular
parceria no anúncio do filme Bohemian Rhapsody, vimos “um filme sobre
menstruação” ganhar o Oscar. Absorvendo o Tabu levou o prêmio na categoria
Melhor Curta-Metragem. Isso não é piada. Mais uma estatueta para a Netflix, já
que se tratava de uma produção lançada pela gigante do streaming. Por falar na
companhia, o anúncio do indicado ao Melhor Filme Roma deu ao ator Diego Luna e ao chef José Andres a
oportunidade de fazer um discurso enfático em prol da diversidade, dos
imigrantes e das mulheres, que, segundo o cozinheiro, “são os responsáveis por
mover o mundo”. Eis que, um segundo depois, o mundo pareceu ter parado. Os
acordes de Shallow, canção tema de Nasce Uma Estrela, começaram a tocar,
iniciando a brilhante performance de Lady Gaga e Bradley Cooper. Com intimismo,
agudos cirúrgicos e o peso que a canção exigia, a dupla mostrou porque este
hino da música pop se tornou o favoritaço ao Oscar de Melhor Canção Original. Sem
medo de errar, uma das grandes performances musicais da história da premiação.
Foto: Reprodução da Internet |
O bloco seguinte começou causando
sentimentos mistos. Embora favorito e com predicados óbvios, o triunfo de Green
Book na categoria Melhor Roteiro Adaptado deixou um sabor amargo,
principalmente após membros da família do pianista Don Shirley questionarem a
veracidade dos fatos narrados. A expectativa era que o longa perdesse força,
mas, neste momento, a impressão que ficava era que Green Book despontava como o
favorito ao prêmio máximo da noite. O nítido clima de desconforto, porém, foi
logo quebrado com a inesperada vitória do meu favorito Infiltrado na Klan na
categoria Melhor Roteiro Original. Como se não bastasse o anúncio de um eufórico de
Samuel L. Jackson, Spike Lee fez uma grande festa, pulou em cima do
apresentador e no seu discurso exaltou o amor e pediu para que o público “faça
a coisa certa”, numa clara alusão ao título do seu primeiro grande filme. Só
para lembrar, num daqueles absurdos históricos da Academia, esse foi o primeiro
Oscar conquistado por Spike Lee, que, apesar da sua riquíssima e crítica
filmografia, só havia levado um prêmio honorário pelo conjunto da sua obra. Antes
tarde do que nunca. Foi legal ver também, aliás, a homenagem da Academia ao diretor
brasileiro Nelson Pereira dos Santos (Vidas Secas), um dos reverenciados na
sessão In Memorian. À medida que o fim da premiação se aproximava, entretanto,
algumas dúvidas pairavam no ar. Ao longo do evento vimos uma Academia
defendendo a diversidade, o empoderamento feminino, a latinidade. Mas faltava
botar em prática, romper com velhos vícios. Algo que não aconteceu quando
vimos Rami Malek levar o Oscar de Melhor Ator. Não que ele não merecesse. É um
ator talentoso, que se dedicou muito ao longa e principalmente levou o
jogo de bastidores a sério. Deu entrevistas, compareceu a todos os prêmios, se mostrou
para os votantes e faturou a estatueta num ano de atuações masculinas pouco
impactantes. Tinha o Bale transformado, mas nós já vimos isso antes. Tinha
Viggo Mortensen intenso, mas nós já vimos isso antes. A exceção era Bradley
Cooper, numa performance poderosa, mas, infelizmente, o ‘hype’ em torno de
Nasce uma Estrela não durou tempo o bastante. Em pensar que Ethan Hawke, do
pesado First Reformed, sequer foi indicado...
Crédito: New York Post |
Numa daquelas surpresas que nos
fazem ficar acordados até tarde, porém, a Academia mostrou a sua face mais “modernizada”
ao premiar a melhor atuação do ano. Não deu para Glenn Close, não deu para Lady
Gaga. Por A Favorita, Olivia Colman causou uma comoção geral ao levar o Oscar de
Melhor Atriz. Responsável por dar vida a uma rainha carente, histérica e
ardilosa, a realizadora britânica foi pega de surpresa, o que se refletiu no
seu memorável discurso. Indo dos risos às lágrimas, Colman arrancou aplausos de
pé ao agradecer aos amigos, a família e aos presentes na plateia (inclusive Glenn
Close e Lady Gaga), mostrando porque chegou ao lugar mais alto dentro da
indústria. Uma sensação inesperada que, definitivamente, não se repetiu no prêmio de
Melhor Direção. Felizmente! Tratado como o favorito máximo, Alfonso Cuarón conquistou o Oscar de
Melhor Diretor por Roma, o terceiro da noite, se tornando o quinto diretor
mexicano em seis anos a levar a estatueta na Academia. Com o rumo que tomou a
noite, o duelo no prêmio máximo da noite ficou claro. De um lado tínhamos Roma,
um filme Original Netflix, lançado via streaming, em preto e branco, falado em
língua estrangeira e produzido no México. Do outro tínhamos Green Book, uma
dramédia tipicamente norte-americana, brilhantemente atuada, narrativamente
segura, dirigida por uma experiente voz de Hollywood. O novo versus o tradicional.
Após alguns segundos de mistério, deu a lógica. A escolha segura. Green Book fechou a noite com o prêmio de Melhor Filme. Uma escolha previsível que decepciona pelo rumo que a cerimônia parecia tomar. Por um momento cheguei a acreditar que estava diante de um novo Oscar. Mais dinâmico, com surpresas, decisões ousadas. Um dos mais plurais e diversificados dos últimos anos. E durante a maior parte da premiação foi isso o que vimos. O triunfo de Green Book, no entanto, mostrou que a Academia tem muito a trabalhar. No final das contas, claro, a sensação é que o fator Netflix pesou contra Roma. A Academia, com esta decisão, defendeu o “seu”, o estado das coisas. A modernidade, porém, bate à porta, a mudanças urgem. Não foi desta vez. Enfim, está não será a primeira vez, nem provavelmente a última, que um filme “quadrado” leva o Oscar de Melhor Filme. E, sinceramente, nem acho Green Book tão “quadrado” assim. Vejo uma bela história de amizade e respeito às diferenças nele apesar dos polêmicas em torno da questão da representatividade pesarem contra. No final, porém, os grandes longas sempre vencem. Sempre permanecem. São lembrados. Não existe prêmio que impeça isso. Veja abaixo a lista completa de vencedores.
Após alguns segundos de mistério, deu a lógica. A escolha segura. Green Book fechou a noite com o prêmio de Melhor Filme. Uma escolha previsível que decepciona pelo rumo que a cerimônia parecia tomar. Por um momento cheguei a acreditar que estava diante de um novo Oscar. Mais dinâmico, com surpresas, decisões ousadas. Um dos mais plurais e diversificados dos últimos anos. E durante a maior parte da premiação foi isso o que vimos. O triunfo de Green Book, no entanto, mostrou que a Academia tem muito a trabalhar. No final das contas, claro, a sensação é que o fator Netflix pesou contra Roma. A Academia, com esta decisão, defendeu o “seu”, o estado das coisas. A modernidade, porém, bate à porta, a mudanças urgem. Não foi desta vez. Enfim, está não será a primeira vez, nem provavelmente a última, que um filme “quadrado” leva o Oscar de Melhor Filme. E, sinceramente, nem acho Green Book tão “quadrado” assim. Vejo uma bela história de amizade e respeito às diferenças nele apesar dos polêmicas em torno da questão da representatividade pesarem contra. No final, porém, os grandes longas sempre vencem. Sempre permanecem. São lembrados. Não existe prêmio que impeça isso. Veja abaixo a lista completa de vencedores.
- Pantera Negra
- Infiltrado na Klan
- Bohemian Rhapsody
- A Favorita
- Green Book: O guia
- Roma
- Nasce uma estrela
- Vice
Melhor Diretor
- Alfonso Cuarón (Roma)
- Spike Lee (Infiltrado na Klan)
- Adam McKay (Vice)
- Pawel Pawlikowski (Guerra Fria)
- Yorgos Lanthimos (A Favorita)
Melhor Ator
- Christian Bale (Vice)
- Bradley Cooper (Nasce uma Estrela)
- Rami Malek (Bohemian Rhapsody)
- Viggo Mortensen (Green Book: o Guia)
- Willem Dafoe (No Portal da Eternidade)
Melhor Atriz
- Yalitza Aparício (Roma)
- Glenn Close (A Esposa)
- Olivia Colman (A Favorita)
- Lady Gaga (Nasce uma Estrela)
- Melissa McCarthy (Poderia me Perdoar?)
Melhor Ator Coadjuvante
- Mahershala Ali (Green Book: o Guia)
- Richard E. Grant (Poderia me Perdoar?)
- Adam Driver (Infiltrado na Klan)
- Sam Elliot (Nasce uma Estrela)
- Sam Rockwell (Vice)
Melhor Atriz Coadjuvante
- Amy Adams (Vice)
- Marina de Tavira (Roma)
- Regina King (Se a Rua Beale Falasse)
- Rachel Weisz (A Favorita)
- Emma Stone (A Favorita)
Melhor Animação
- Homem-Aranha no Aranhaverso
- Ilha dos Cachorros
- Wi-Fi Ralph
- Mirai
- Os Incríveis 2
Melhor Roteiro Original
- Green Book: O Guia
- Roma
- Vice
- A Favorita
- No Coração da Escuridão
Melhor Roteiro Adaptado
- Infiltrado na Klan
- Poderia me Perdoar?
- Se a Rua Beale Falasse
- Nasce Uma Estrela
- A Balada de Buster Scrugs
Melhor Diretor de Fotografia
- Robbie Ryan (A Favorita)
- Łukasz Żal (Guerra Fria)
- Matthew Libatique (Nasce Uma Estrela)
- Alfonso Cuarón (Roma)
- Caleb Deschanel (Never Look Away)
Melhor Montagem
- Bohemian Rhapsody
- Infiltrado na Klan
- A Favorita
- Green Book - O Guia
- Vice
Melhor Edição de Som
- Pantera Negra
- Primeiro Homem
- Um Lugar Silencioso
- Roma
- Bohemian Rhapsody
Melhor Mixagem de Som
- Nasce Uma Estrela
- Pantera Negra
- Bohemian Rhapsody
- Primeiro Homem
- Roma
Melhor Maquiagem
- Border
- Duas Rainhas
- Vice
Melhor Direção de Arte
- A Favorita
- Primeiro Homem
- Roma
- Pantera Negra
- O Retorno de Mary Poppins
Melhor Filme Estrangeiro
- Nunca Deixe de Lembrar (Alemanha)
- Assunto de Família (Japão)
- Cafarnaum (Líbano)
- Roma (México)
- Guerra Fria (Polônia)
Melhor Trilha-Sonora
- Pantera Negra
- Infiltrado na Klan
- Se a Rua Beale Falasse
- Ilha dos Cachorros
- O Retorno de Mary Poppins
Melhor Canção Original
“When A Cowboy Trades His Spurs For Wings” de A Balada de Buster Scruggs
“All The Stars” de Pantera Negra
“The Place Where Lost Things Go” de O Retorno de Mary Poppins
“I’ll Fight” de RBG
“Shallow” de Nasce uma Estrela
Melhores Efeitos Visuais
- Os Vingadores: Guerra Infinita
- Christopher Robin
- O Primeiro Homem
- Jogador Número Um
- Han Solo: Uma História Star Wars
Melhor Curta-Metragem
- Detainment
- Fauve
- Marguerite
- Mother
- Skin
Melhor Curta de Animação
- Animal Behavior
- Bao
- Late Afternoon
- One Small Step
- Weekends
Melhor Documentário
- Free Solo
- Hale County
- Minding the Gap
- Of Fathers and Sons
- RBG
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