Um dos grandes nomes da Nova Hollywood, movimento cinematográfico setentista que revelou "craques" do nível de Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Brian de Palma e George Lucas, o diretor Michael Cimino (O Último Golpe, O Portal do Paraíso) faleceu neste sábado (02), aos 77 anos. Dono de uma filmografia enxuta, mas expressiva, o realizador norte-americano alcançou o estrelato no aclamado e definitivo O Franco Atirador. Neste poderoso drama de guerra, Cimino destaca o impacto do Vietnã na vida de um grupo de amigos, escancarando os traumas impostos por um conflito deste porte. Com uma narrativa fria, porém intensa, o filme é uma grande obra de arte, um trabalho pesado, violento, marcado pelo primoroso elenco, pelo intimista argumento e por devastadoras sequências.
Lançado no ano de 1978, O Franco Atirador é impressionantemente frio ao revelar as consequências da tão contestada Guerra do Vietnã. Sob a contundente batuta de Michael Cimino, o longa de quase três horas de duração é um retrato fiel e vigoroso sobre a jornada de um grupo de amigos atormentados pelos fantasmas deste conflito. Vivendo em uma pacata cidade do interior, os inseparáveis Michael (Robert De Niro), Nick (Christopher Walken) e Steven (John Savage) levavam uma vida simples e bastante feliz. Operários numa fábrica no Sul na Pensilvânia, o trio tem a sua rotina alterada no momento em que decide se alistar para a Guerra do Vietnã. Dispostos a aproveitar os últimos momentos antes do embarque, enquanto Steven resolve se casar com a sua amada namorada, Nick e Michael disputavam veladamente o amor da bela Linda (Meryl Streep). À medida que o dia do alistamento se aproxima, no entanto, o grupo passa a sofrer a pressão do conflito, sem saber que o pós-guerra seria bem mais doloroso do que eles podiam esperar.
Com argumento assinado pelo próprio Cimino, O Franco Atirador é dividido em três atos distintos e totalmente contrastantes. Para destacar como era a rotina deste grupo de amigos, e porque não da cidade como um todo, ao longo da primeira hora o diretor esbanja sutileza ao evidenciar a união entre os futuros soldados. Impulsionado pelas grandes seleções, as cenas fluem com naturalidade e química invejável, fazendo com que o espectador sinta realmente o quão próximos eram os amigos. Baseando-se em um roteiro dinâmico, por um momento os diálogos conseguem se destacar pelo bom-humor e pelo naturalismo. Além disto, o diretor faz um excelente uso da fotografia de Vilmos Zsigmond (Contatos Imediatos de Terceiro Grau), exaltando em takes excelentes a beleza natural desta pacata cidade. Na verdade, a intenção é transformar a cidade em uma espécie de representação do paraíso, uma antítese do cenário que eles estavam prestes a encarar, preparando o espectador para um grande choque de realidade.
Ao final desta hora, de maneira repentina e explosiva, o filme deixa a cidade e já mostra os três em batalha no Vietnã. O longa, que até o momento era leve e fluía com serenidade, passa por uma grande mudança de tom. A paisagem fria e bela é substituída pelas cores quentes do Vietnã. Neste momento, Cimino começa a trabalhar o trauma da guerra. Sem querer revelar muito, as cenas neste período são extremamente impactantes e realistas, destacando as torturas físicas e emocionais experimentadas pelo trio de soldados durante este doloroso conflito. O foco, no entanto, não é a guerra em si, mas as suas consequências. Após um segundo ato mais incisivo, a película deixa o conflito e mostra a tentativa dos três de se reabilitar dentro da pacata vida da cidade. Numa sacada de mestre, apesar deste retorno ao cenário inicial, a atmosfera já não é mais a mesma. As belezas campestres ainda estão lá, mas o ambiente se torna mais pálido, nebuloso. A felicidade do primeiro ato desaparece quase que por completo, sendo substituída por uma forte carga dramática. É neste último ato, aliás, que o realizador exibe um ponto de vista mais contestador e anti-bélico, uma mensagem extrema e naturalmente pessimista. Vide a devastadora cena final, onde, apesar de estarem reunidos, é perceptível a mudança do clima entre os amigos.
Se o roteiro e a direção são excelentes, o elenco é de tirar o chapéu. Robert De Niro (Taxi Driver), em uma de suas melhores interpretações, Christopher Walken (Anjos Rebeldes), idem, e John Cazalle (O Poderoso Chefão), entregam brilhantes atuações. Meryl Streep (Kramer vs Kramer), também tem um atuação sensacional, num papel menor, mas importantíssimo. A presença da atriz, aliás, extrapolou os limites cênicos e chegou aos bastidores do filme. Com uma doença terminal, John Cazalle, o então marido de Streep, iria ser substituído pelos produtores, que temiam que ele não conseguisse chegar ao fim das filmagens. Ciente desta informação, a premiada atriz bateu o pé e afirmou que também deixaria a película caso o seu esposo fosse dispensado. Com esta imposição o estúdio cedeu e Cazzale concluiu as gravações. Infelizmente, ainda em 78, o ator faleceu aos 42 anos, deixando personagens marcantes, como o inesquecível Fredo Corleone, em O Poderoso Chefão.
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Michael Cimino e Robert De Niro |
Com uma abordagem pessimista, cenas de impacto visual gritante e uma narrativa longa, mas intensa, O Franco Atirador se revela um relato incisivo sobre o impacto da Guerra do Vietnã. Ao acompanhar o antes, o durante e o depois de um grande conflito sob um prisma extremamente intimista, Michael Cimino esbanja o seu reconhecido talento ao construir um drama melancólico, chocante e acima de tudo surpreendente. Vencedor de cinco prêmios do Oscar, incluindo os de Melhor Filme e Melhor Direção, o longa merece figurar entre os mais poderosos relatos envolvendo um tema frequentemente abordado em Hollywood.
2 comentários:
Um dos grandes filmes da história do cinema.
Michael Cimino deixou uma filmografia pequena, apenas sete longas, mas todos marcantes.
Abraço
Realmente Hugo, um dos grandes filmes sobre a Guerra do Vietnã. Grande Abs.
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