Após emplacar o popular Bird Box (leia a nossa crítica aqui) no final do ano passado, a Netflix voltou ao terreno dos filmes
pós-apocalípticos com IO (leia a nossa crítica aqui), uma produção pequena que promete inquietar ao narrar
as desventuras dos dois últimos humanos num devastado planeta Terra. Com
Margaret Qualey e Anthony Mackie como protagonistas, o longa dirigido pelo
francês Jonathan Hepert é apenas mais um a usar o cinema para questionar a
maneira com que tratamos o nosso habitat. Na verdade, a partir dos anos 1950,
com a crescente ameaça atômica e a Guerra Fria, o fim do nosso estilo de vida
em sociedade se tornou um tema recorrente dentro do universo das
ficções-científicas e do cinema de horror. Sejam em produções mais alegóricas,
como os clássicos Mortos que Matam (1964) e A Noite dos Mortos Vivos (1968),
sejam em obras mais realísticas, como A Hora Final (1959) e Mad Max (1979),
este reflexivo subgênero passou a gradativamente apontar a sua mira para o
público, projetando através da ficção as trágicas consequências do nosso desdém
para com a natureza e o ambiente em que vivemos. O que mais me atrai no cinema
pós-apocalíptico, entretanto, é a sagacidade de alguns longas em especular
sobre o futuro da raça humana após uma tragédia natural\química\nuclear.
Sobreviveremos em trens? Numa terra sem água? Imersos na tecnologia? No espaço? Ou quem sabe num lugar sem esperança? Indagações pertinentes que, a partir de
obras que tem muito a dizer sobre o nosso estilo de vida em sociedade, surgem
como uma verdadeira provocação ao espectador. Com a estreia de IO, portanto,
resolvi fazer (finalmente) o meu Top 10 com alguns dos melhores (e mais
impactantes) filmes pós-apocalípticos. A ideia, aqui, é destacar as obras com
um cunho mais realístico, por isso exclui da seleção os ‘zombie movies’. Dito
isso, seguindo o gosto pessoal desse que vos escreve, começamos com...
10º A Estrada (2009)
Poucos filmes sugeriram um vislumbre de futuro pós-apocalíptico tão pessimista quanto A Estrada, um pesado e intimista drama sobre a relação de um pai e o seu vulnerável filho numa realidade em a esperança deixou de existir. Sob a imersiva batuta de John Hilcoat, o longa é cuidadoso ao adaptar a igualmente impactante obra de Comarc McCarthy, evitando dar respostas fáceis ao se concentrar no aspecto humano da história. O que sabemos é que o nosso estilo de vida social foi dizimado por uma catástrofe relacionada ao fogo e que os poucos sobreviventes tiveram que criar uma dura casca para se manter vivos. Sem alimentos, um lugar seguro e uma perspectiva de futuro, a película sugere um cenário desolador, um ambiente destruído e solitário em que a morte surgia quase que como um alento. Um drama familiar nu e cru que impressiona ao, nas entrelinhas, refletir sobre a dura missão de um pai (vivido com maestria por Viggo Mortensen) na tentativa de preparar o seu inocente filho (Kodi-Smith McPhee) para sobreviver num cenário voraz e impiedoso. Qualquer semelhança com o nosso estilo de vida, definitivamente, não é mera coincidência.
9º Expresso do Amanhã (2013)
Uma catástrofe climática congelou o planeta Terra e dizimou a raça humana. Os poucos sobreviventes viviam num trem imparável, um veículo programado para girar em torno do globo esperando até que a natureza estivesse pronta para nos abrigar novamente. Esse é o 'plot' de O Expresso do Amanhã. Com base nesta instigante premissa, retirada da graphic novel francesa Le Transperceneige, o diretor sul-coreano Joon-Ho Bong colocou o dedo na ferida ao mirar na nossa face mais predatória e desumana. Numa brilhante alegoria social, o longa estrelado por Chris Evans, Octavia Spencer e John Hurt incomoda ao propor um enervante duelo de classes, tratando a desigualdade e a opressão como um dos grandes “vilões” da vida em sociedade. Embora todos estivessem no mesmo “barco”, é interessante ver como o filme estabelece uma estrutura social bem reconhecível, com a grande maioria de miseráveis, moradores da sucateada parte do fundo do trem, servindo como mão de obra para uma cruel e elitista minoria. Um destino tenebroso e desigual que obviamente se torna o agente catalisador para a implacável revolução social proposta pelo longa.
8º Extermínio (2002)
Uma experiência genética sai do
controle quando macacos criados em laboratório contaminam um grupo de
idealistas ativistas. Essa é a única explicação oferecida para o que acontece
em Extermínio, uma agressiva pérola do cinema britânico que, embora siga uma
estrutura reconhecível dentro do universo dos filmes de zumbi, não é
propriamente um representante do gênero. Numa época em que estudos deixam claro
os perigos em torno de algumas experiências científicas, o longa dirigido pelo
eclético Danny Boyle não titubeou em mostrar qual seria o destino de uma
esvaziada Londres devastada por um vírus criado em laboratório. Embora seja uma
experiente visualmente impressionante, as sequências de devastação são ainda
hoje incríveis, Extermínio tira o máximo proveito da sua visão de
pós-apocalipse para questionar alguns dos nossos mais enraizados problemas
sociais. Desigualdade entre gêneros, violência urbana, solidão, repressão,
esses e outros temas permeiam a obra com inteligência, culminando num clímax
feroz e impiedoso.
Você pode gostar também: O Dia dos Mortos
(1985)
7º Matrix (1999)
Uma das obras mais influentes dentro da cultura pop moderna, Matrix aprimorou o conceito do pós-apocalipse cibernético ao pintar uma realidade em que a tênue linha entre a realidade e a ficção foi completamente diluída. Sob a inquietante batuta das irmãs Watchovski, o longa estrelado por Keanu Reeves “explodiu a cabeça” de muitos fãs do Sci-Fi numa época em que a democratização das tecnologias da computação acontecia ao redor do mundo, o que só ajudou a fortalecer o viés visionário da obra. Num cenário em que cada vez mais somos dependentes das plataformas digitais (gadgets, redes sociais), em que muitos dedicam boa parte do seu tempo a imersão virtual, em que as inteligências artificiais são uma realidade, não chega a ser tão improvável a visão de futuro pós-apocalíptico pensada pelo longa. Além disso, Matrix colocou o dedo na ferida ao nos provocar enquanto um espectador passivo disso tudo, ao apontar o perigo envolvendo a nossa estreita relação com os ambientes tecnológicos, preenchendo a obra com um ainda hoje atual debate filosófico. Embora as duas continuações estejam longe do nível de profundidade\qualidade do material aqui apresentado, Matrix marcou uma geração ao, por trás dos vanguardistas efeitos visuais, esconder uma alegoria profunda e um tanto quanto pessimista sobre um dos possíveis nêmeses da raça humana.
Você pode gostar também: Akira
(1988)
6º Mad Max (1979)
O deserto australiano se tornou o
palco para uma deteriorada visão de futuro no acelerado Mad Max. Uma produção
pequena, mas com pretensões gigantes, o longa dirigido pelo ex-dentista George
Miller “lançou” o astro Mel Gibson num filme de vingança pós-apocalíptico de
tirar o fôlego. Mesmo limitado pelo baixo orçamento, a obra chamou a atenção
pela sua construção de mundo, uma realidade em que a anomia (ausência do
estado) batia à porta e que violentas gangues começavam tocavam o terror pelas
estradas do país. Max surge como um dos últimos homens da lei, um piloto
destemido (e temido) que lutava para manter os inocentes em segurança. O grande
trunfo desta verdadeira pérola do cinema está na criatividade de Miller em
estabelecer um cenário em que os poucos “sobreviventes” lutavam para defender o
pouco que havia sobrado. A crise energética já havia acontecido, a escassez de
recursos naturais era nítida, o Estado estava enfraquecido, mas, ainda assim, existia
uma ponta de esperança. Um sentimento destruído com fúria no que se tornaria o
primeiro capítulo da melhor franquia pós-apocalíptica da Sétima Arte.
Você pode gostar também: The Rover: A Caçada (2014)
5º Planeta dos Macacos (1968)
Eu disse a melhor porque a maior,
indiscutivelmente, é a franquia Planeta dos Macacos. Responsável por um dos
maiores ‘plot twists’ da história da sétima arte, o criativo Sci-Fi dirigido
por Franklin J. Schaffner voltou no tempo para escancarar a nossa face mais
primitiva e selvagem. Numa época de grandes transformações sócio-políticas, a
película estrelada por Charlton Heston provocou o público e a crítica ao narrar
as desventuras de um grupo de astronautas do futuro que, após uma longa viagem
espacial, desembarcam num planeta desconhecido habitados por primatas inteligentes
e altamente repressivos. A partir desta genial inversão, os humanos aqui são
involuídos e facilmente manipuláveis, Schaffner, inspirado na obra de Pierre
Bourrel, extrai o máximo do subtexto pós-apocalíptico ao revelar o destino dos
“sobreviventes” dominados por uma minoria conservadora e autoritária. Com
personagens marcantes e uma magnífica construção de mundo, Planeta dos Macacos
nos brinda com uma preciosa alegoria social, um relato que, ainda hoje, soa
extremamente atual. A cereja no bolo da obra, entretanto, fica pelo implacável
clímax. Ali, numa reviravolta impactante, Schaffner escancara as consequências
dos nossos mais perigosos atos com requintes de crueldade, entregando um
daqueles desfechos inigualáveis.
Você pode gostar também: Os 12
Macacos (1995)
4º Planeta dos Macacos: A Guerra
(2016)
Um clímax que, diga-se de
passagem, só viria a ser melhor explicado no primoroso desfecho da trilogia
reboot intitulado Planeta dos Macacos: A Guerra. Quase cinco décadas depois do
lançamento do original, o que só atesta a atemporalidade da obra, o longa
dirigido por Matt Reeves colocou os pingos nos is ao revelar como a raça humana
deixou o planeta Terra chegar na situação estabelecida no clássico sessentista.
Com efeitos visuais absurdos e a magistral performance de Andy Serkis na pele
do macaco Caesar, a nova trilogia amplificou o sabor amargo deixado pelo
primeiro Planet of Apes (no original) a pontuar a guerra entre humanos e
primatas, entregando um capítulo final denso, crítico e genuinamente atual. Uma
obra que, ao ir além da jornada do seu incrível protagonista, encontrou as
inúmeras brechas necessárias para colocar o dedo na ferida e se insurgir contra
a desigualdade social, o preconceito e a cultura belicosa da sociedade
norte-americana.
Você pode gostar também: Eu Sou a
Lenda (2008)
3º Mad Max: Estrada da Fúria
(2015)
Do alto dos seus 70 anos, George
Miller revolucionou o cinema de ação com o inacreditável Mad Max: Estrada daFúria. Dando sequência a sua visão de futuro pós-apocalíptico, o realizador
australiano elevou a nossa devastação a máxima potência ao construir um cenário
totalmente sem recursos naturais, em que a água era tratada como um produto e
controlada por tiranos autocratas. No cenário proposto, os miseráveis eram
abandonados a sua própria sorte, desfigurados pela contaminação do solo\ar, as
mulheres eram escravas sexuais, meros objetos para a reprodução e a religião
criava “servos” dispostos ao sacrifício para manter está estrutura social. Numa
proposta narrativa alucinante, Miller deu a Tom Hardy a missão de interpretar o
novo Max, um “sobrevivente” perturbado e traumatizado que, contra a sua
vontade, se vê obrigado a fazer parte de uma pequena resolução. A genialidade
do diretor, entretanto, pôde ser verdadeiramente compreendida quando percebemos
a silenciosa mudança no ‘status quo’ da franquia, agora estrelada por uma
impetuosa Charliza “Imperatriz Furiosa” Theron. Numa época em que os movimentos
femininos clamam por respeito e igualdade de gênero, Miller se antecipou ao
‘boom’ do tema em Hollywood ao entregar uma das mais memoráveis e independentes
personagens femininas da história recente do cinema, o “golpe de mestre” de um
dos melhores (facilmente) filmes da última década.
Você pode gostar também: Turbo
Kid (2015)
2º Wall-E (2008)
E da Pixar nasceu um dos longas
mais críticos e urgentes da última década. Um filme corajoso não só pela sua
profundidade temática, mas principalmente pela sua ousadia narrativa, Wall-E
procurou um sincero diálogo com as novas gerações ao propor um trágico destino
para o planeta Terra. Sob a genial batuta de Andrew Stanton, o longa projetou
um futuro não muito distante em que o nosso planeta se tornou inabitável. Os
poucos sobreviventes passaram a “viver” em gigantescas naves, inseridos numa
rotina nitidamente fria e perigosa. Nela, os humanos eram completamente
dependentes do estilo de vida proposto por uma ardilosa inteligência
artificial. Eles não andavam mais, não se exercitavam, as relações humanas eram
mínimas e a alimentação gerou uma crise de obesidade mórbida. Mais uma vez,
qualquer semelhança com a nossa realidade definitivamente não é uma mera
coincidência. Um viés crítico que só fica potencializado quando nos deparamos
com a figura de Wall-e, um simpático (e humanizado) robô catador de lixo que se
torna a nossa última esperança quando descobre que a Terra pode estar novamente
pronta para abrigar a raça humana. Uma fábula com o padrão de inventividade
Pixar que, naturalmente, tem muito a dizer sobre o nosso estilo de vida em
sociedade.
Você pode gostar também: 9 – A
Salvação (2009)
1º Filhos da Esperança (2006)
Poucas perspectivas de um futuro
pós-apocalíptico fizeram tanto sentido para mim quanto a proposta por Alfonso
Cuarón no magnífico Filhos da Esperança. Uma das obras mais visionárias lançadas
no cinema nos últimos anos, o enervante drama social estrelado por Clive Owen
escancarou os perigos em torno da crise humana nos grandes centros urbanos numa
premissa real e desoladora. No cenário proposto pelo realizador mexicano, a
raça humana, “bombardeada” por agrotóxicos, pela poluição e por alimentos
geneticamente modificados, perdeu a possibilidade de procriar. Sem crianças e
esperança de futuro, o mundo começou a envelhecer pouco a pouco, gerando uma
série de conflitos sem precedentes. A desigualdade alcançou números absurdos. A
violência urbana tomou conta das grandes metrópoles. Numa época em que a crise
de imigração na Europa ainda não era um tema presente nos principais
telejornais, Cuarón saiu em defesa da miscigenação e da integração ao colocar
uma “estrangeira” africana como o símbolo de um continente à beira de um
colapso. Recheada de sequências antológicas, a película instiga ao revelar o
impacto de uma improvável descoberta dentro deste peculiar ‘status quo’,
refletindo sobre o melhor e o pior do ser humana com peso, propriedade e muita
inteligência narrativa. Um filme com muito a dizer que, embora não se furte de
mostrar a nossa realidade como ela é, causa um misto de sensações ao enxergar
uma luz no fim do túnel, ao defender que a esperança pode estar onde menos
esperamos.
Você pode gostar também: O Livro
de Eli (2010)
Nenhum comentário:
Postar um comentário