Vou ser bem sincero com vocês.
Como fã de cinema, eu não estava dando a mínima para o filme solo do Aquaman.
Não por causa do personagem. Sempre gostei dos super-heróis “bonzinhos”. Nem
tão pouco por Jason Momoa. Acho ele um dos rostos mais autênticos e
carismáticos de Hollywood. Nem mesmo a direção de James Wan me causou alguma reação.
Quiçá, euforia. Na verdade, diante da então iminente derrocada do renovado DCU,
a impressão era que Aquaman seria o canto do cisne de uma franquia que nunca
encontrou o tom. Nem a recepção positiva do público\crítica me fez entrar no
trem do ‘hype’ que geralmente cerca o lançamento destas grandes produções. Felizmente,
nem sempre a primeira impressão é a que fica. Sem medo de errar, Aquaman é o
filme mais divertido dentro do Universo DC desde Superman II (1980). Livre das
malfadadas amarras realísticas impostas por Zack Snyder, Wan pisa no acelerador
com gosto ao entregar uma aventura épica com É maiúsculo. Imponente, iluminado,
engraçado e acima de tudo sem vergonha de assumir a sua essência, o filme surge
como um vislumbre de tempos melhores para o panteão de heróis mais populares
dos quadrinhos.
Disposto a reconstruir a imagem
de Arthur Clarke também nos cinemas, nos quadrinhos o brasileiro Ivan Reis foi
peça chave na redefinição do super-herói, Aquaman é exemplar enquanto filme de
origem. Com um primeiro ato afiadíssimo, James Wan empolga até o espectador
mais desavisado ao precisar de cerca de vinte minutos para estabelecer as
raízes do filho de Atlântida. Conhecemos a sua mãe, a ‘bad-ass’ Rainha Atlanna
(Nicole Kidman, magnética), a relação dela com o seu pai, o faroleiro humano
Tom Curry (Temuera Morrison), o seu maior vilão, o Arraia Negra (Yahya
Abdul-Mateen II, intenso), e os conflitos que os levaram a entrar em rota de
colisão. Tratado até então como um beberrão rebelde pelo renovado DCU, Wan faz
questão de conferir nuances mais pessoais ao seu herói, ao não reduzir tudo a
um mero arquétipo. O status de Arthur é redimensionado. Só que para menos. Numa
sacada inteligente, o argumento assinado por David Leslie Johnson-McGoldrick e
Will Beal é astuto ao humanizar o protagonista, ao torná-lo apenas mais um
dentro de um novo e grandioso mundo aquático. Reconhecido na Terra, Aquaman é
um ninguém nos sete mares, um forasteiro, um bastardo que logo entra na mira do
seu meio irmão (e atual rei) Orm (Patrick Wilson, positivamente afetado). Uma
rixa que, com naturalidade, move a trama palaciana que dita o rumo deste filme
solo. Mesmo seguindo um caminho narrativamente previsível, Wan, enquanto se
concentra no destino de Atlântida, amarra a trama com enorme fluidez,
permitindo que o longa cresça consistentemente até o catártico clímax. Com
direito a uma divertida ‘sidequest’ em busca de um “mcguffin” (no caso o
Tridente do Rei Atlan). Ele, na verdade, usa o formulaíco a seu favor, tornando
tudo o mais leve e convidativo possível aos olhos do grande público.
O surpreendente, aqui, não está
no rumo da história, mas na forma com que James Wan decide conta-la. Com o seu
reconhecido “toque de Midas”, o virtuoso realizador não se intimida diante da
imponência do material fonte ao fazer jus ao escopo do universo em que Aquaman
está inserido. Uma ousadia estética que, indiscutivelmente, eleva o patamar do
longa. Por mais que o longa tenha heróis\vilões com motivações bem embasadas,
um empolgante senso de aventura e uma bem-vinda preocupação em construir laços
sólidos entre os personagens, o trunfo de Aquaman reside no espetáculo imagético
proposto pelo diretor. Usando o CGI sem qualquer tipo de economia, Wan causa um
misto de impacto e fascínio ao nos levar pela primeira vez para o vasto reino
da Atlântida. Com uma palheta de cores vibrantes, um expressivo uso do neon e
uma riqueza de detalhes impressionante, o realizador esbanja criatividade ao
verdadeiramente mergulhar neste mundo, ao imprimir em tela o elemento
majestoso, ao traduzir a funcionalidade, o desenvolvimento tecnológico e a rica
mitologia. Os cenários possuem vida. Os figurinos são muito fieis aos
quadrinhos. O mundo dos sete mares se revela habitável. A vibrante fotografia
em tons azuis e vermelhos de Don Burgess torna tudo muito vistoso. Diante de um
grande desafio, usar o CGI fotorrealístico num ambiente subaquático, Wan brinca
com as inúmeras possibilidades do gênero ao construir um ‘mise en scene’ genuinamente
épico. E isso, é bom frisar, sem nunca sacrificar o senso de compreensão do
público. Por mais que a batalha final ganha proporções até pouco tempo
inimagináveis dentro do gênero, desde O Senhor dos Anéis eu não me deparava com
algo deste tamanho, o diretor consegue extrair sentido do caos, nos brindando
sempre que possível com enquadramentos plásticos e por si só super-heroicos. O
que fica bem claro, em especial, nas memoráveis sequências de ação “menores”.
Com um primoroso senso de simultaneidade, Wan se movimenta em torno dos embates
com absoluta engenhosidade, realçando a profundidade dos cenários e os
movimentos dos seus atores num balé empolgante. Como não citar, por exemplo, a
magnífica sequência de luta na casa de Arthur, ou então o frenético duelo com o
Arraia Negra em solo italiano.
Nem tudo que reluz, porém, é
ouro. Vide o fake cabelo ruivo da destemida Mera (Amber Heard, competente). Impecável
em explorar os elementos grandiosos, James Wan vacila no que diz respeito aos
detalhes. Em especial os narrativos. Após o fascinante primeiro ato, o longa
como um todo perde força ao se concentrar demais na interação entre Arthur e a
sua nova parceira. Como se não bastasse o previsível rumo da relação, um
problema que se fez presente também em Mulher-Maravilha, Wan não consegue
contornar a evidente falta de química do casal nos momentos mais “afetivos”.
Embora os dois personagens funcionem bem individualmente e no campo de batalha,
o segmento em que Mera e Aquaman partem por uma caça ao tesouro no deserto do
Saara é tão tolo quanto dispensável e sintetiza o pior deste filme solo. As
piadas não são tão boas, a tela verde em solo desértico grita aos olhos do
público, a dinâmica pouco agrega ao longa. Um exagero que ajuda a explicar as
excessivas 2 h e 20 min de projeção. Além disso, sabe-se lá porque, o roteiro
se rende desnecessariamente ao didatismo em muitos momentos, inchando a
história com deslocados flashbacks envolvendo a infância\adolescência de
Arthur. O segundo ato como um todo, na verdade, é bem oscilante, se tornando a
âncora que impede Aquaman de se tornar um acerto inquestionável.
Sem medo de ser feliz, Aquaman
abraça o épico e o exagero com despretensão para entregar o filme de super-heróis
que a DC precisava. Uma aventura empolgante que não se envergonha do
‘fan-service’ e não titubeia em levar para a tela aquilo que o público se acostumou
a ver nos quadrinhos\desenhos animados. Com carisma e presença cênica de sobra,
Jason Momoa surge em cena glorioso, com uniforme laranja, falando com animais e
se mostrando perfeitamente capaz de conduzir o DCU das profundezas rumo aos
holofotes do sucesso.
Ótima crítica. Embora nao yenht bisto, mas certamente esse e um bom filme
ResponderExcluirValeu!
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