Ritmo de festa
Após tecer um reflexivo
relato sobre os anseios e conflitos de um grupo de adolescentes em Jovens,Loucos e Rebeldes (1993), Richard Linklater (Boyhood) volta a dialogar com
temas essencialmente joviais no envolvente Jovens, Loucos e Mais Rebeldes.
Apesar das evidentes semelhanças entre os dois longas, o cultuado diretor
norte-americano é perspicaz ao sintetizar de maneira bem mais descompromissada
as primeiras experiências de um grupo de calouros recém-chegados a faculdade.
Ainda que não mostre a mesma profundidade e variedade de nichos apresentada no
aclamado primeiro filme, Linklater adota novamente um tom universal e
naturalista ao revelar a euforia, o fervor sexual e os crescentes obstáculos
por trás do início de mais esta fase da vida. Não espere, porém, uma daquelas
típicas e requentadas comédias adolescentes. Mais do que construir arcos e
definir arquétipos, Jovens, Loucos e Mais Rebeldes se encanta com a breve
possibilidade de desvendar a rotina deste carismático grupo de universitários e
expor as particularidades, as incoerências e as rixas por trás desta
embrionária relação de amizade.
Inserido num cenário bem
fértil, o eclético e liberal ano de 1980, o argumento assinado pelo próprio
Richard Linklater convida o público a criar uma sincera conexão com os
protagonistas ao reproduzir com objetividade e irreverência os primeiros três
dias de um calouro dentro do frenético ambiente universitário. Na trama,
draftado por uma importante universidade da Califórnia, o jovem Jake (Blake
Jenner) chega com status de revelação para o bem sucedido time de beisebol.
Ansioso pela rotina de treinos e festas, o rapaz logo cria um vínculo com o
veterano Finn (Glen Powell), um atleta comunicativo que o apresenta aos demais
membros da equipe, entre eles o boa praça Will (Wyatt Russell), o descontraído
Dale (J. Quinton Johnson) e o centralizador McReynolds (Tyler Hoechlin). Sem
tempo a perder, Jake logo cai na gandaia com o seu novo grupo de amigos,
descobrindo os prazeres, os desafios e as novas experiências por trás desta inesquecível
fase da vida.
Indo de encontro à
proposta cabeça de Jovens, Loucos e Rebeldes, Richard Linklater opta num
primeiro momento por realçar os estereótipos em torno deste enraizado gênero,
brincando com as nossas expectativas ao investir em figuras aparentemente
estúpidas e unidimensionais. Durante os quinze primeiros minutos de projeção,
inclusive, cheguei a temer pela qualidade do longa, principalmente quando o
assunto é a objetificação das mulheres e os inúmeros clichês sexuais. Não
demora muito, porém, para o diretor desvendar a real personalidade e os anseios
mais íntimos dos marcantes personagens. Impulsionado pelos honestos diálogos e
pelo excelente senso de simultaneidade do argumento, Linklater permite que cada
um deles se revele em cena, ganhe nuances particulares e dialogue com situações
totalmente inerentes a juventude atual. Apesar da pegada despretensiosa e do
clima festeiro, a película cresce em substância no momento em que eles precisam
lidar com dilemas mais maduros, entre eles a crescente competitividade, as
incertezas quanto ao futuro, as rixas esportivas e as incoerências quanto a
construção da identidade. Sem querer revelar muito, a acalorada sequência no
campo de beisebol e a revigorante cena da festa punk são primorosas, justamente
pela forma como Linklater consegue absorver os temas mais elaborados sem perder
a leveza e o bom humor.
Melhor ainda, aliás, é a
construção dos singulares personagens. Como de costume em suas obras, Richard
Linklater nos envolve diante da sua proposta naturalista e nos coloca como uma
espécie de confidente dos protagonistas. Desta forma, sob um ponto de vista
sempre intimista, o realizador dá a cada um deles a possibilidade de adicionar
a sua essência à trama, revelando os seus anseios e atitudes sem qualquer tipo
de julgamento. Se num primeiro momento os universitários ganham uma aparência pasteurizada,
tipos mulherengos e exibicionistas interessados apenas em sexo, esportes e
festas, aos poucos o longa faz questão de investigar as suas respectivas
personalidades, os tornando peças fundamentais para o andamento da trama. Ainda
que o eclético Jake se torne o protagonista natural do longa, Linklater nos
brinda com uma série de cativantes figuras, entre eles o malandro Finn, o sábio
entorpecido Will, o verborrágico Dale, o hilário Brumley, o esquisito Jay e o
esquentado McReynolds, preenchendo a trama com energia e muita zoação. Além
disso, o realizador é particularmente cuidadoso ao tornar crível o senso de
camaradagem e amizade entre eles. Por mais que a trama não tenha grandes
atrativos narrativos, o realizador se garante na química do elenco e cria uma
atmosfera tão convidativa, tão familiar, que em alguns momentos parecemos fazer
parte do grupo tamanha cumplicidade mostrada em tela.
Um potencial de imersão
que, diga-se de passagem, é potencializado pelo fantástico trabalho da equipe
de direção de arte e figurino. Como de costume em suas obras, Richard Linklater
mostra uma enorme preocupação na construção do ambiente, que aqui se revela um
dos mais ricos de sua carreira. Influenciado pelo visual da era Disco e pelo
florescer do punk rock, o realizador nos brinda com cenários coloridos, objetos
nostálgicos, cortes de cabelo extravagante, roupas justíssimas e uma proposta
liberal que casa com o tom descompromissado da película. Outro ponto que
agrada, e muito, é a eclética trilha sonora. Ainda que não esteja no nível do
fantástico primeiro longa, Linklater passeia pela disco, pelo punk, pelo rock e
pelo country com improvável vigor, dando uma embalagem autoral a um produto já
suficientemente original. Por fim, assim como em Jovens, Loucos e Rebeldes, o
promissor elenco é um dos maiores trunfos desta película. Oriundo da série
Glee, Blake Jenner esbanja carisma e bom humor ao criar um galã inteligente e
interessante. No mesmo nível do seu parceiro de cena, Glen Powell rouba a cena
com o esperto Finn e nos faz crer no misto de sagacidade, autoestima e poder de
convencimento do seu personagem. Quem também se destaca, aliás, é o
comunicativo J. Quinton Johnson. Completamente a vontade em cena, o jovem ator
absorve com naturalidade a franqueza do seu Dale, o cara brincalhão,
descontraído, mas que na primeira oportunidade manda a real na cara dos
calouros. Ainda entre os destaques, enquanto Tyler Hoechlin mostra credibilidade
ao traduzir a competitividade do seu McReynolds, Wyatt Russel e Tanner Kalina
arrancam sinceras risadas com seus peculiares personagens.
Convidativo,
despretensioso e levemente nostálgico, Jovens, Loucos e Mais Rebeldes é uma
comédia naturalista que se preocupa muito mais com a jornada, do que
propriamente com o destino. Não espere, portanto, uma comédia 'teen' redondinha, o
tipo de história sobre uma conquista improvável, uma vitória inesperada ou a
popular rivalidade entre nerds e atletas. Embora dialogue com temas extremamente caros
às principais produções do gênero, Richard Linklater se esquiva das soluções
fáceis ao passear, ainda que num curto prazo de tempo, por uma daquelas fases geralmente inesquecíveis, levantando uma honesta bandeira em prol das
experiências da juventude.
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