segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Um Homem entre Gigantes

Will Smith é o grande trunfo deste drama biográfico de cartilha

Uma voz persistente diante da poderosa NFL, uma das mais populares ligas esportivas internacionais, o médico legista Dr. Bennet Omalu vira o herói que Hollywood adora retratar no drama biográfico Um Homem entre Gigantes. Responsável por alertar o mundo do Futebol Americano sobre os perigos da concussão, o patologista de origem nigeriana se torna o estopim para um daqueles dramas biográficos de cartilha, uma obra redondinha que transita com superficialidade calculada por conflitos e questões que mereciam uma abordagem mais cuidadosa. Ainda que acerte ao revelar dos interesses escusos dos executivos da NFL, o longa dirigido e roteirizado por Peter Landesman (O Mensageiro) realmente se garante na determinada atuação do astro Will Smith, impecável ao tornar crível o misto de otimismo, integridade e desilusão deste obstinado doutor. 

Inspirado no artigo "Brain Game", da jornalista Jeanne Marie Laskas, Um Homem entre Gigantes se esforça para resumir o projeto de uma vida em duas horas de projeção. Indo além das descobertas medicinais do Dr. Omalu, apresentadas sem maiores preocupações científicas ao longo da trama, Landesman faz o possível para abraçar outros temas importantes inseridos neste processo. Mesmo sem encontrar tempo hábil para se aprofundar em todas estas questões, o longa até se sai bem ao ressaltar o preconceito dos executivos quanto a origem do patologista e a postura corporativista do alto escalão da NFL diante dos alarmantes fatos. Nos momentos em que o argumento se distancia destes temas, porém, a superficialidade fica mais evidente. A começar pelos dilemas pessoais do médico e a sua relação com a bela Prema (Gugu Mbatha-Raw), uma história de amor protocolar que acrescenta bem pouco à película. Além disso, o realizador é esquemático ao explorar o impacto da ECT, a Encefalopatia Traumática Crônica. De maneira rasa e conveniente para o avanço da trama, o estado dos atletas já acometidos pela doença é utilizado com inexplicável pressa, reduzindo a carga dramática em torno da resiliente busca do médico pelo reconhecimento do seu estudo.


Outro ponto que incomoda, e muito, é a forma como o longa explora os anseios americanos do Dr. Omalu. Num primeiro momento, Peter Landesman parece disposto a tecer uma crítica envolvendo o tão cobiçado 'American Dream', principalmente quando percebemos as barreiras impostas pelo "sistema" durante a sua pesquisa. Na hora de colocar o dedo na ferida, no entanto, o argumento se rende a uma reviravolta abrupta e apressada, culminando num arremate idealista que quase renega o sofrimento do médico durante a defesa da sua tese. Em contrapartida, o longa é bem melhor resolvido no que diz respeito as relações profissionais do médico. Impulsionado pela cativante atuação de Albert Brooks (Drive), a honesta parceria entre o Dr. Omalu e o seu superior, o Dr. Cyril, rende alguns dos melhores diálogos e adiciona substância a trama. Além disso, a relação com o ex-médico da NFL interpretado por Alec Baldwin ganha nuances genuinamente mais complexas, permitindo que o espectador enxergue sob um ponto de vista mais humano a delicada situação dos técnicos diante da postura imprudente da comissão médica da NFL. Sem querer revelar muito, a cena da discussão no restaurante é um dos pontos altos da película, justamente por expor com clareza e objetividade os dois lados por trás da discussão em torno da divulgação da alarmante pesquisa.


Me arrisco a dizer, no entanto, que Um Homem entre Gigantes seria apenas uma destas biografias descartáveis se não fosse a presença de Will Smith. Longe dos seus tipos mais estrelares, o astro de MIB e do recente Esquadrão Suicida mostra a sua reconhecida versatilidade ao tornar crível a jornada deste homem comum diante de uma gigantesca descoberta. Mesmo sem parecer fisicamente com o Dr. Bennet Omalu, Smith impressiona ao reproduzir tanto o sotaque africano do médico e o seu peculiar modus operandi, quanto o seu senso de integridade e obstinação, criando uma figura forte e intensa. Nos momentos em que precisa explodir em cena, aliás, o ator entrega uma performance vigorosa, um desempenho raro dentro da sua laureada carreira. Assim como Will Smith, Albert Brooks e Alec Baldwin injetam energia à película ao interpretar, respectivamente, os médicos Cyril Wecht e Julian Bailes. Além deles, ainda que com um tipo insosso em mãos, a magnética Gugu Mbatha-Raw cumpre a sua missão ao se tornar o porto seguro de Bennet ao longo da trama. O mesmo, porém, não podemos dizer do descartável elenco de apoio. Conduzidos com inexplicável desleixo por Landesman, nomes como os de David Morse (Paranoia), escondido em baixo de uma artificial maquiagem, Luke Wilson (Dias Incríveis) e Akinnuoye-Agbaje (Fique Rico e Morra Tentando) incham a trama e são desperdiçados em meio ao desenrolar dos fatos.


Em suma, fiel à cartilha do gênero, Um Homem entre Gigantes é uma cinebiografia regular que se contenta em realçar o heroísmo do seu biografado. Mesmo diante de algumas interessantes escolhas narrativas, a maioria delas envolvendo a forma sagaz com que o longa se apropria das imagens reais para ilustrar os perigos da concussão, Peter Landesman peca ao subaproveitar o drama dos ex-atletas portadores do ETC, que surgem em cena de maneira esporádica e por vezes relapsa. Ainda assim, apesar dos inegáveis deslizes do roteiro e da falta de ousadia da direção, Will Smith eleva o nível da película ao adicionar o peso e o senso de humanidade necessário para dar popularidade aos relevantes feitos do Dr. Bennet Omalu.

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