sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Sete Homens e um Destino

Um remake à altura do original

Adaptação do clássico Os Sete Samurais, do cultuado diretor Akira Kurosawa, a primeira versão de Sete Homens e um Destino (1960) trazia em sua essência os ingredientes que popularizaram os clássicos faroestes hollywoodianos. Com personagens altruístas, um forte senso de bravura, um antagonista tirânico e uma atmosfera otimista, o longa estrelado por Steve McQueen, Yul Bryner e Charles Bronson se tornou o último grande representante desta fase mais tradicional, uma era áurea que perdeu espaço com a saturação do mercado e com a ascensão do crítico movimento revisionista (O Homem que Matou Facínora, Meu Ódio Será a sua Herança) e do sagaz subgênero 'Western Spagheti' (Três Homens em Conflito, Por uns Dólares a Mais). Inseridos num contexto mais atual, as produções passaram a defender uma proposta mais irônica, violenta e amoral. Os anti-heróis se tornaram mais cínicos e\ou desgastados. Os cenários mais sujos e degradantes. Em suma, uma metamorfose que ecoa até os dias de hoje, vide as novas versões de Bravura Indômita (2010) e Django Livre (2012).


Guiado por estas mudanças históricas, o novo Sete Homens e um Destino oferece uma bem-vinda nova roupagem ao clássico sessentista e consegue atualiza-lo sem abdicar da sua icônica aura romantizada. Mesmo fiel à estrutura narrativa do faroeste original, o longa dirigido por Antoine Fuqua (Dia de Treinamento) cumpre a sua missão ao adicionar novos elementos a esta versão, indo além dos predicados técnicos e das fórmulas escapistas ao apostar numa abordagem mais humana e etnicamente plural. Impulsionado pelo entrosamento do talentoso elenco, capitaneado pelos excelentes Denzel Washington (à vontade como o heroico líder), Chris Pratt (impagável em cena) e Ethan Hawke (intenso como um complexo atirador), o realizador norte-americano abre espaço para que cada um dos "magníficos" adicione as suas características mais marcantes à trama, permitindo que o espectador crie uma identificação sincera com os bem concebidos personagens. Além disso, apesar do forte tom aventureiro, Fuqua mostra categoria ao arquitetar tanto a escala de tensão, quanto a inesperada carga dramática, se esquivando dos clichês ao realçar a ameaça, os traumas e os pecados que cercam este grupo de desajustados pistoleiros. 


Com roteiro assinado por Richard Wenk e Nic Pizzolatto, Sete Homens e Um Destino não se faz de rogado ao seguir a cartilha do longa original. Por mais que o cenário central seja totalmente diferente, a aldeia de mexicanos é substituída por uma pequena vila formada por inofensivos americanos, o argumento opta por "proteger" os arcos e arquétipos mais clássicos, principalmente quando o assunto é a liderança ética do sensato Chisolm (Washington), o temperamento indomável do beberrão Faraday (Pratt) e a personalidade traumatizada do lendário Goodnight (Hawke). Assim como na versão sessentista, aliás, este último rouba a cena e ganha aqui um desenvolvimento ainda mais denso se comparado com o original. Na trama, sofrendo com a ameaça do nefasto minerador Bartolomeu Bogue (Peter Sarsgaard, funcional), a jovem Emma Cullen (Haley Bennett) resolve reunir uma equipe de pistoleiros com a intenção de impedir que os moradores do seu vilarejo sejam expulsos das suas casas. Com uma pequena fortuna em mãos, a bela mulher consegue a atenção de Chisolm, um caçador de recompensas que aceita comprar a briga contra este violento homem. Sem muitas opções viáveis, o atirador decide formar uma equipe recheada de renegados, entre eles um mexicano procurado pela justiça (Manuel Garcia-Rulfo, confiante), um índio comanche esquecido por sua tribo (Martin Sensmeier, subaproveitado), um asiático perito em armas brancas (Byung-hun Lee, bem nas cenas de ação) e um caçador bonachão de passado obscuro (Vincent D'Onofrio). 


Apesar do viés otimista, vide o divertido processo de formação da equipe, o novo Sete Homens e Um Destino começa a surpreender por sua proposta mais violenta. Já na primeira cena, Antoine Fuqua deixa claro que estamos diante do Velho Oeste revisionista, um local ameaçador onde a lei do mais forte é capaz de ditar a rotina dos cidadãos comuns. Por mais que a figura do unidimensional Bogue se mostre rasa e pouco atraente, um pecado se comparado ao ardiloso saqueador interpretado por Eli Wallach no original, o diretor opta por criar uma ameaça mais contextualizada e dialoga com temas como a corrupção, o poder do dinheiro e a ausência do Estado. Com um argumento simples, mas envolvente em mãos, Fuqua é igualmente habilidoso ao desmistificar a aparência heroica dos seus pistoleiros. Ainda que num primeiro momento eles ganhem uma faceta mais charmosa e idealizada, aos poucos é possível perceber que por trás da aura 'bad-ass' existe um grupo de homens atormentados pelo seu passado. Mesmo superficialmente, o argumento é perspicaz ao abordar os conflitos mais íntimos dos seus personagens, realçando através deles a vulnerabilidade e o impacto da violência nas suas respectivas personalidades. Em alguns momentos, inclusive, a impressão que fica é que o roteiro peca pela falta de ousadia, principalmente quando subaproveita alguns destes dilemas em prol da construção do tão esperado confronto final. Sem querer revelar muito, enquanto o indígena Red Harvest brota em cena de maneira apressada, o surtado Jack Horne exibe alguns momentos de lucidez que são inexplicavelmente subestimados pelo roteiro. Uma pena, já que Vincent D'Onofrio está impecável na pele de um caçador senil. 


Por outro lado, mesmo sustentada por uma série de soluções convenientes, a diversidade do elenco se torna um elemento bem aproveitado nas mãos de Antoine Fuqua. Indo de encontro à alguns dos mais enraizados clichês de Hollywood, o remake surpreende ao mostrar um democrático senso de ameaça, ampliando a atmosfera de tensão ao evidenciar que aqui as mortes não são seletivas. Melhor ainda, aliás, é a maneira coerente com que o argumento explora a indomável figura feminina interpretada por Haley Bennett. Ainda que a sua rara beleza chame uma exagerada atenção num primeiro momento, Fuqua impede que a corajosa Emma seja transformada numa daquelas genéricas donzelas indefesas, dando a promissora atriz os ingredientes necessários para que ela possa brilhar em condição de igualdade com os sete magníficos. Outro ponto que agrada, e muito, é a qualidade das sequências de ação. Reconhecido pela sua habilidade no gênero, o realizador constrói um clímax sufocante e destrutivo. Com um impecável senso de simultaneidade, Fuqua coloca o espectador no centro do fogo cruzado e investe em sequências ágeis, bem coreografadas e absolutamente nítidas. E isso sem precisar apelar para o recurso da câmera lenta. Além disso, nos embates mais pessoais, ele presta uma singela homenagem ao icônico Sérgio Leone, o diretor por trás do 'Western Spagheti', mostrando cadência ao capturar elementos como a expressão, a silhueta e os gestos mais sutis dos seus personagens. 


Contando ainda com a evocativa trilha sonora do saudoso James Horner, criativa ao explorar os acordes da canção original sem parecer uma cópia barata, Sete Homens e Um Destino supera as expectativas ao atualizar um clássico que definitivamente não envelheceu tão bem quanto os seus demais parceiros de gênero. Mesmo diante de alguns deslizes narrativos, entre eles a simplicidade da premissa, o genérico antagonista e a falta de ousadia no desenrolar dos conflitos mais íntimos, Antoine Fuqua é preciso ao explorar as emoções dos seus personagens, transitando com afiado senso de humor pela ação, pela aventura e pelo drama ao acompanhar a jornada de redenção deste indomável grupo de pistoleiros. Em suma, um entretenimento ritmado marcado pela iluminada fotografia épica, pela versatilidade do robusto elenco e pela inesperada pluralidade étnica. 

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