quarta-feira, 20 de abril de 2016

Rua Cloverfield, 10

Intenso e original, longa testa as nossas expectativas do início ao fim 

Adepto de um bom mistério, o produtor e diretor J.J Abrams sabe como poucos esconder as surpresas em torno dos seus trabalhos. Numa época em que os próprios estúdios parecem "sabotar" os seus lançamentos, divulgando uma enxurrada de trailers e sinopses com a intenção de atrair o público, o diretor preza pela experiência fílmica, protegendo os segredos dos seus produtos com afinco e rigorosidade. Através de títulos como Super 8 (2011), Star Trek: Além da Escuridão (2013) e o estrondoso Star Wars: O Despertar da Força (2015), Abrams comprovou ser capaz de contornar os tão temidos spoilers, independente do tamanho da produção. Como podemos perceber no seu mais novo projeto, o poderoso Rua Cloverfield, 10. Rodado totalmente em sigilo, nem o próprio elenco sabia o nome e as intenções do filme, o longa dirigido pelo novato Dan Trachtenberg só foi oficializado dois meses antes do seu lançamento oficial, anunciado como - nas palavras do próprio J.J Abrams - um parente de sangue do bem sucedido Cloverfield: O Monstro (2008). Indo de encontro a proposta do original, a sequência abre mão do desgastado estilo "found footage" ao investir numa abordagem mais refinada e objetiva, testando as expectativas do público ao nos brindar com um suspense intenso, enxuto e angustiante. Uma obra de aparência pequena, quase despretensiosa, mas que esbanja originalidade ao apostar num novo conceito de continuação.




Antes de qualquer coisa, Rua Cloverfield, 10 é uma daquelas películas que merece ter os seus segredos protegidos. Dito isso, não se preocupe com os eventuais spoilers. Prometo não me aprofundar nos detalhes da história. Com roteiro assinado pelo trio Josh Campbell, Matthew Stuecken e Damien Chazelle, esse último do espetacular Whiplash - Em Busca da Perfeição, o longa é habilidoso ao construir o elo com o impactante Cloverfield: O Monstro, permitindo que os episódios experimentados pelo público no original amplifiquem a aura de mistério e paranoia em torno desta sequência. Através de um texto ágil, revelador e inesperadamente sagaz, Dan Trachtenberg adota o suspense psicológico ao desvendar os segredos por trás desta enigmática premissa, transformando a tão temida "ameaça" num elemento totalmente imprevisível. Na trama, após sofrer um acidente de carro, a jovem Michelle (Mary Elizabeth Winstead) acorda no abrigo do ambíguo Howard (John Goodman). Acorrentada, a jovem é informada que o mundo sofreu uma espécie de ataque químico e que ela não poderia mais deixar o lugar. Dividindo espaço com o simpático Emmett (John Gallagher Jr.), Michelle resolve tentar descobrir uma forma para fugir deste claustrofóbico ambiente, sem ter a mínima noção do tamanho do perigo que a cerca. 


Carregando a surpresa no seu sobrenome, Rua Cloverfield, 10 é um daqueles raros trabalhos que consegue alimentar o suspense da primeira à última cena. Mesmo rodado em sua maioria num pequeno cenário, um abrigo antinuclear com poucos cômodos, Dan Trachtenberg mostra categoria ao torna-lo inesperadamente vasto, valorizando os contrastes ao explorar o clima de tensão em torno dos enclausurados protagonistas. Através de takes estilosos, o realizador convida o público a experimentar o turbilhão de emoções enfrentados por Michelle, dando as cenas uma sufocante imprevisibilidade. Por diversas vezes, inclusive, até os momentos mais banais se tornam ameaçadores, principalmente pela maneira com que Trachtenberg amplia a sensação de perigo ao longo da trama. Como se não bastasse o detalhismo na captura dos movimentos mais sutis, como o maneirismo gestual de Howard ou a expressão confusa de Michelle, o diretor faz um primoroso uso dos incômodos efeitos sonoros, realçando o aspecto sensorial ao apostar no poder da sugestão. Pode parecer até um exagero, mas confesso que desde Mad Max: Estrada da Fúria não assistia uma comunhão tão perfeita entre som e imagem. Num todo, aliás, a estridente trilha sonora do compositor Bear McCreary (Marvel - Agentes da Shild) se revela um elemento funcional, se tornando uma peça chave dentro da misteriosa proposta defendida pelo argumento.


Esteticamente impecável, Rua Cloverfield, 10 brilha ao repetir os méritos narrativos do seu antecessor. Apesar da crescente atmosfera de perigo, aqui totalmente subjetiva, o argumento é intimista ao investigar os segredos e as verdadeiras intenções por trás de cada um dos enclausurados, mostrando com objetividade os motivos que os levaram a tal situação. Valorizando o benefício da dúvida, o roteiro é igualmente cuidadoso ao explorar a instável relação entre eles, adicionando uma série de ingredientes à trama ao abraçar a paranoia dos personagens e o medo do desconhecido. De revelação em revelação, Dan Trachtenberg coloca as nossas impressões em cheque ao preparar o terreno para as bem arquitetadas reviravoltas, permitindo que o longa aponte para inúmeros caminhos sem nunca perder o foco ou o fôlego.


Melhor ainda, no entanto, é o desempenho do enxuto elenco, inegavelmente o principal diferencial em relação ao original. Mais uma vez esbanjando versatilidade em cena, o veterano John Goodman (O Grande Lebowski) adiciona peso à película ao proteger os segredos em torno do complexo Howard. Dando vida a um tipo visivelmente instável, o ator absorve a aura dúbia do seu personagem com absoluta categoria, criando um tipo ora cativante, ora furioso. Igualmente magnífica em cena, a talentosa Mary Elizabeth Winstead (Scott Pilgrim contra o Mundo) torna crível as nuances comportamentais da indomável Michelle, encarando a sucessão de 'plot twists' com espontaneidade e vigor. A relação entre ela e Emmett, aliás, se revela um dos pontos mais interessantes da película, muito em função da indutiva performance de John Gallagher Jr. (Temporário 12). 



Aliando tensão ao humor com enorme propriedade, Rua Cloverfield 10 instiga ao se revelar uma continuação independente, elegante, mas igualmente sufocante. Amparado pela montagem fluída e repleta de ritmo, o diretor Dan Trachtenberg mostra inspiração ao zelar pelo suspense psicológico, fazendo da imprevisibilidade um aliado poderoso. Mesmo dialogando com temas recorrentes dentro do gênero, o longa sobra na turma ao valorizar o poder da sugestão, colocando o espectador no centro da ação ao brincar com as nossas expectativas em torno da tão temida "ameaça". O resultado é uma obra afiada, surpreendente e absolutamente honesta com o seu público.

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