segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Robocop

Um blockbuster politizado

Não tenho dúvidas em afirmar que o diretor José Padilha deixou um ótimo cartão de visitas na sua estreia em Hollywood. Lutando contra toda a incerteza e desconfiança dos produtores, que normalmente costumam assumir as rédeas criativas nestas ocasiões, o brasileiro bancou a presença de seus antigos colaboradores, entre eles o montador Daniel Rezende e o diretor de fotografia Lula Carvalho (Tropa de Elite 1 e 2). Como se não bastasse isso, o diretor fez questão de ter liberdade ao abordar todo o contexto politico que marcou esse clássico oitentista do diretor Paul Verhoeven. Faço questão de escrever isto porque é nítido o dedo de Padilha nessa nova versão de Robocop. Apostando na manutenção da essência contestadora do original, mesmo sem ser tão violento e visceral, o longa é um entretenimento de altíssima qualidade. Uma prova que os remakes, em alguns casos, podem ter o seu valor.


Apesar de ser um filme mais "pipoca" que o original, é inegável que o novo Robocop consegue reproduzir de forma inteligente toda abordagem política da versão assinada por Verhoeven. Se no icônico filme do ano de 1987, a corrupção, a criminalidade elevada e a ação desenfreada das grandes corporações era o x da questão, o remake adiciona interessantes argumentos a esse pacote. Além dos temas já citados, o roteiro escrito por Nick Schenk destaca interessantes questionamentos envolvendo a manipulação da imprensa, a estratégia armamentista norte-americana e o poder do dinheiro na sociedade atual. Na trama, o ano é 2028. Os EUA seguem sofrendo com os altos índices de criminalidade. Apesar do lobby criado pela empresa OmniCorp, que espalhou os seus robôs policiais por todo o mundo, os políticos norte-americanos relutavam em aceitar a presença de criaturas cibernéticas nas ruas do país. Neste cenário, o detetive Alex Murphy (Joel Kinnaman) era um dos oficiais mais dedicados a acabar com o crime organizado em Detroit. Em uma destas incursões policiais, Murphy acaba chegando perto de pegar o traficante de armas Antoin Vallon (Patrick Garrow), mas é surpreendido e acaba vendo o seu parceiro alvejado. Na mira do crime organizado, Murphy se torna mais uma das vítimas dos criminosos, ficando entre a vida e a morte. É ai que o caminho de Murphy e o de Raymond Sellars (Michael Keaton) acabam se cruzando. Ciente da insegurança do povo americano em relação às máquinas, o dono da companhia OmniCorp decide criar um policial parte robô, parte humano. Contando com a aprovação de Clara (Abbie Cornish), esposa de Murphy, e com a ajuda do Dr. Norton (Gary Oldman) e do especialista em robôs Maddox (Jackie Earle Haley), Raymond acaba dando início ao seu projeto de expansão de vendas. No entanto, ao tentar reduzir a humanidade de Murphy, as coisas saem do controle e Robocop parte numa jornada em busca de justiça. 


Apostando na temática essencial do longa original, o remake de Robocop deixa claro todo o viés político que Padilha costuma ressaltar em seus filmes. Além da lógica discussão envolvendo o dilema emocional por trás das máquinas, o diretor brasileiro mostra perícia ao encontrar uma abordagem diferente para levantar esses temas. Questões como a invasiva politica armamentista norte-americana e o próprio processo de construção do Robocop são muito bem ressaltados por Padilha, que promove uma crítica mais sútil do que a apresentada por Verhoeven. Ao lado do roteirista Nick Schenk, o diretor brasileiro encontra alternativas interessantes para conduzir este contexto politizado por um caminho mais acessível e menos violento. Uma delas, por exemplo, fica pelo destaque dado ao apresentador Pat Novak (Samuel L. Jackson), uma espécie de interlocutor da trama. Falando sempre para nós espectadores, esse polêmico personagem é uma das grandes sacadas desta versão, destacando muito bem o poder da manipulação através da imprensa. Com uma atuação repleta de carisma, Jackson passa o filme todo tentando nos convencer de que a política da empresa OmniCorp é a melhor para os EUA. Outro ponto que chama a atenção, positivamente, fica pela relação desenvolvida entre Murphy e o médico Norton, muito bem interpretado por Gary Oldman. Alterando o processo de "desrobotização" do Robocop, o roteiro dá um peso maior a essa relação entre criador e criatura, desenvolvendo um interessante vínculo entre os dois. Melhor ainda é todo o processo de humanização de Alex Murphy, que sem esquecer o lado emocional do personagem, acaba sendo bem mais coerente com o contexto envolvendo as grandes empresas. Até porque, com tanto poder em mãos, um bom policial começaria a ameaçar àqueles que não deveriam. 


Apesar de conseguir abordar tanto o cenário político, como também a vertente mais blockbuster do personagem, o longa acaba pecando por dar ênfase ao discurso. Pra ser mais direto, faltou aquele clima de filme policial da década de 1980. Após um início empolgante, com ótimas cenas de ação e os seguros desempenhos de Joel Kinnaman, muito bem como o policial do futuro, Michael Keaton, finalmente voltando aos bons filmes e do sempre expressivo Gary Oldman, o longa acaba não encontrando o peso ideal para a jornada de vingança e justiça de Alex Murphy. Muito em função, é verdade, da opção da MGM em lançar um longa com baixa classificação etária, o que impediu a presença da violência explícita do original. Na verdade, a impressão que fica é que José Padilha acabou esbarrando na única barreira que não conseguiu romper. Até porque, o diretor brasileiro sabe - como poucos - rodar cenas de ação. Prova disso são os excelentes takes iniciais, com destaque para o tiroteio no bar protagonizado por Kinnaman. As cenas mais grandiosas, no entanto, remetem a esses genéricos jogos em primeira pessoa. Além disso, aquele clima de rebelião das máquinas, aquela crítica mais visceral às grandes corporações, aqui também não tem o mesmo impacto. Felizmente, Padilha compensa esses problemas com inteligentes concessões aos fãs do clássico oitentista. Sem querer revelar muito, só a reprodução da trilha sonora original já serve para resgatar o sentimento nostálgico envolvendo este icônico personagem. 


Com uma trama repleta de ritmo e um roteiro que prioriza a densidade dos seus personagens, José Padilha nos apresenta um remake à altura da obra original. Ainda que não tenha o mesmo impacto, humor ou talvez aquela crítica visceral, a versão 2014 compensa essas falhas com o se excelente time de atores e com a originalidade encontrada para levantar contextualizadas questões. O grande mérito do diretor brasileiro, no entanto, fica pela introdução do Robocop a uma nova geração, bem mais acostumada a interação tecnológica apresentada no longa. Só espero que o futuro desta promissora "nova" franquia, vide o excelente desfecho, não seja o mesmo da original.

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